Páginas

terça-feira, 27 de novembro de 2012

A Família Aguiar Cap. 2





— Eu estava encurralada — contou Lua, rezando para que Arthur compreendesse. — E não podia avisar você. Não podia correr o risco de fazer qualquer ligação.
— Você está tentando me convencer que Mica não poderia revirar a linha telefônica do esconderijo de vocês e assim impedir que os bandidos rastreassem as ligações?
— Claro, mas é que isso não seria o bastante. Nossas ligações ainda poderiam ser interceptadas, mesmo se o equipamento de escuta não fosse capaz de apontar o local de onde estavam partindo com exatidão.
— E daí?
— E daí que nós não tínhamos a menor idéia do que eles iriam fazer.
A Máfia geralmente não toma reféns nem fere pessoas inocentes, mas aquilo era diferente.
Orgulhoso demais para se deixar persuadir por um argumento como aquele, Arthur fitou Heather desconfiado.

— Você temia que os gângsteres pudessem me ferir?
— Ou então ameaçar alguém próximo a você. Considere, apenas, o quanto você sabia.
A testa de Arthur se enrugou ainda mais.
— Bom, mas eles poderiam ter feito o que quisessem, de qualquer maneira.
— Não havia necessidade disso. Ao menos não enquanto eles não suspeitassem de que você pudesse estar se comunicando comigo. De que você estivesse envolvido de alguma forma. Talvez até ajudando Mica.
— E, por isso, você me deixou aqui sofrendo, imaginando onde poderia estar e por que teria partido?
— Foi exatamente isso — respondeu Lua. — Era a única coisa que eu podia ter feito para garantir sua segurança.
Como Arthur se calou, Lua foi em frente.
— Meu irmão estava correndo um grande perigo. Mica não queria apenas se corrigir, rompendo sua ligação com a Máfia, ele tinha se apaixonado pela filha do chefe. Uma combinação fatal.
— E onde Mica está agora? — quis saber Arthur.

Lua deu uma olhadela no bebê, entretido com um pônei musical.
— Ainda está fugindo.
— Mas você está aqui, com o filho dele.
— Eu sei. —Lua observou o pônei. Mica havia comprado o cavalinho para Miguel apenas algumas semanas antes de ele nascer. Aquele era o único brinquedo que a criança possuía que não viera de uma loja de usados.
Havia um outro pônei que tocava canções de ninar, lembrou Lua. Enterrado perto de uma cabana em Oklahoma.
— Me conte mais sobre a mãe de Miguel.
Lua tomou um gole do café amargo coado por Arthur, esperando acalmar as mãos que tremiam insistentemente. Ela ainda sonhava com o outro pônei. Ainda acordava no meio da noite em prantos.
— Sophia não estava bem, ela teve uma gravidez difícil. Eu fiquei preocupada com o parto, se haveria alguma complicação.
— E houve?
— Não, correu tudo bem. Foi um parto longo, mas deu tudo certo.
Lua se lembrou do caixote, embrulhado em couro, que Mica havia enterrado. As preces Cherokee que ele entoou naquele dia ficariam gravadas para sempre na sua mente, no seu coração.
— Mas logo depois que Miguel nasceu, Sophia ficou doente. Primeiro, imaginou que fosse apenas estresse. Nos mudávamos constantemente, e isso exigia um grande sacrifício de cada um de nós. Sophia pegou uma tosse que não dava trégua. Mas, por mais que estivesse abatida, simplesmente se recusava a ir ao médico.
— Por quê? Porque ela tinha medo de chamar atenção?
— Isso mesmo. — Lua ainda podia ver Sophia, pálida e cansada, deixando que ela tomasse conta do menino, durante os dias em que não tinha condições de cuidar dele. — Mica fez tudo o que podia para convencê-la a procurar um médico. No entanto, Sophia estava determinada a se curar sozinha, tomando remédios homeopáticos.
A voz de Arthur assumiu um tom áspero.
— Mas que diabo Micael estava planejando? Viver correndo na estrada para sempre?

— A princípio, ele e Sophia queriam ir para o México. Mas o contato de Mica na Cidade do México revelou que a Máfia já estava lá, procurando por eles. — Lua estudou as próprias mãos, concentrando o olhar sobre as unhas compulsivamente roídas.
— Como não podíamos adivinhar onde mais eles estavam procurando, decidimos continuar fugindo. — Fazendo o possível para o dinheiro durar, lembrou ela. Sempre que podia, o irmão arrumava trabalho. Para isso, Mica usava carteiras de identidade falsas. Também trocava de veículo com freqüência, registrando os carros sob um nome fictício.
— Então, quem é o pai de Sophia? Qual o nome dele?
- Enrique Halloway. O FBI chama a Família da Costa Oeste da Máfia de Hollywood. Halloway, Hollywood. É um trocadilho, e o sujeito tem conexões com a indústria do entretenimento.
Arthur suspirou.
— Eu não sei nada sobre a Máfia, além daquilo que já vi na TV. Os caras italianos de Nova York. Ou Nova Jersey, ou qualquer outra cidade.
— A Família da Costa Oeste não é uma trupe de italianos caricatos. — E Lua sabia muito mais sobre a Máfia, mais do que jamais sonhara. Mica havia se "ordenado", o que significava sacrificar a própria alma pelo crime organizado. — Meu irmão estava estudando uma forma de me mandar de volta para casa. E de simular a morte dele, assim como a de Sophia e de Miguel. Para isso, Mica queria encenar um acidente no qual eu fosse a única sobrevivente. Mas Sophia adoeceu e tudo mudou de figura.
— Ele devia ter mandado todos vocês para casa. Micael não podia ter mantido duas mulheres e um bebê nessa fuga desvairada.

— Sophia não queria voltar para a família dela. Sempre detestou aquilo que o pai representava, o estilo de vida altamente luxuoso e corrupto, digno de um criminoso da sua estirpe. Além disso, ela amava Mica e queria ficar com ele, afinal, era seu marido. Seu marido Cherokee — enfatizou Lua. — Mica executou a antiga cerimônia do cobertor. Pode não ter o menor valor oficial, mas foi o bastante para que eles se sentissem unidos.
Arthur balançou a cabeça.
— Nossa, quando você tinha 16 anos, cismou que eu tinha que fazer isso com você. Que idéia maluca.
Lua sentiu um aperto no peito.
— Eu era jovem e romântica, e queria que você se entregasse a mim.
Decidida a conter o choro, Lua sorriu de volta para Miguel. Ela tinha aquela criança para criar, praticamente um filho. E por esse motivo deveria ser forte.
— Sophia morreu? — perguntou Christopher, quebrando o silêncio.
— Não, mas provavelmente não irá viver por muito mais tempo. Quando o estado de Sophia piorou, Mica insistiu em levá-la até uma clínica. Lá, depois de uma série de testes, os médicos descobriram que ela tinha um pequeno foco de carcinoma no pulmão, uma espécie de câncer que progride rapidamente. Sem tratamento, o tempo médio que alguém consegue sobreviver é de apenas dois ou quatro meses, a contar do diagnóstico. Nós tomamos uma decisão. Sophia deveria retornar para a família. Ela precisava de cuidados médicos urgentes.
— Eu sinto muito — disse Arthur, num tom solidário.
— Sophia só tem 22 anos. E como ela não fuma, nós jamais seríamos capazes de pensar em câncer de pulmão.
— Mas por que Sophia não levou o filho para casa com ela?
— Porque ela não queria que o pai tivesse alguma participação na educação dele.
— E Micael?

— Ele não podia cuidar de Miguel, não vivendo como um fugitivo daquele jeito. Mica sabia que o pai de Sophia nunca desistiria de procurar por ele, e que sempre seria um alvo em potencial. Por isso, os dois resolveram renunciar ao filho, de modo que a criança pudesse ter a chance de levar uma vida segura e livre de toda aquela imundície.
"Nós fabricamos uma mentira. Era a única coisa que poderíamos fazer, nossa única alternativa."
— Que mentira? — indagou Arthur, perscrutando Lua através de olhos escuros e penetrantes.
— De um jeito ou de outro, eu deveria me tornar a mãe de Miguel — ponderou, ainda evitando o olhar de Arthur. — Sophia não iria contar à família que tinha um filho. Eles não sabiam que estava grávida, não havia nenhum registro médico, nem nada que pudesse comprovar que dera à luz a Miguel. Ele nasceu numa cabana em Oklahoma, onde apenas Mica e eu pudemos dar assistência a Sophia.
— Bem, mas e quanto ao pai dela, ele engoliu essa história? Nunca suspeitou que Miguel era seu neto?
— E por que deveria? Quem poderia sonhar que aquela garota, quase morta de câncer, pudesse ter parido um bebê saudável, apenas 10 meses antes?
Arthur se perguntou se a coisa toda era simples assim, se um lorde do crime como Halloway poderia ser enganado tão facilmente.
— E quanto a você? Esse velho mafioso não culpa você por ajudar Mica e Sophia?
Lua meneou a cabeça, negativamente.
— Não. Eu levei Sophia de volta para a família, e eles não me consideraram responsável por nada. Mas deixaram bem claro que jamais perdoariam meu irmão. Ele era parte da organização deles. Mica sabia quais seriam as conseqüências das suas ações. Ele foi avisado para se manter afastado de Sophia, e agora que a garota está doente, sua família o acusa de não ter cuidado bem dela. Por todos esses meses, Sophia não recebeu nenhum tipo de tratamento médico.
— E quem a Máfia pensa que é o pai de Miguel? — inquiriu Arthur, embora já soubesse a resposta.
— Você, Arthur — ela respondeu.
Sim, ele. Quem mais poderia ser? Ele foi o único amante na vida de Lua, o único homem a quem ela se entregou. E ele era moreno, de olhos escuros, como a criança.

Arthur contemplou Lua, reparando nos seus cabelos Loiros e em sua pele clara, nas roupas simples e singelas que se moldavam às suas curvas.
Nos velhos tempos, ela era apenas a irmã caçula do seu melhor amigo. Um dia, ela começou a florescer. Por volta do seu aniversário de 16 anos, Lua havia desabrochado totalmente, e se transformado em uma bela mulher, esguia e de pernas compridas, tornando-se uma obsessão que o jovem Arthur, então com 18 anos, mal conseguia administrar.
No entanto, por mais que se sentissem atraídos, Arthur não a tocava. Prometera a Mica que jamais faria isso.
— Por que você nunca me beijou? — provocou ela.
Arthur afrouxou a mão que segurava uma pedra que, impetuosamente, arremessou na água.
— Você ainda é só uma criança — retrucou Arthur.
— Não sou, não. — Lua se aproximou dele, tão fresca quanto o ar de Hill Country, tão graciosa quanto uma pombinha.
Arthur sentiu o sangue correr da cabeça até os pés. Lua era tudo o que ele queria. E muito mais.
— Você é chave-de-cadeia. Lua, você é irmã de Mica. Eu prometi a ele que não encostaria um dedo em você.
— Ah, você e Mica mal se vêem ultimamente.
— Isso não importa. Ainda é uma promessa. Eu dei minha palavra e não posso voltar atrás. — Arthur enfiou as mãos nos bolsos, fazendo um esforço infernal para não tocar nela, para não tomar a garota nos braços e sentir a batida do seu coração acelerar contra o peito.
— Me encontre quando você tiver 18 anos. — Ou melhor, quando o irmão já não pudesse mais interferir. — E então me peça para beijá-la.
Por um minuto, um torturante minuto, Arthur sentiu-se tentado. Só para ficar com Lua, apenas para aceitar aquilo que ela estava oferecendo.
No final, Arthur conseguiu fazê-la esquecer aquela idéia insensata. Mas também estava tentando convencer a si mesmo a parar de pensar na moça.

Arthur passou os dois anos seguintes, os 24 meses seguintes, saindo com outras garotas, outras morenas, que nunca corresponderam exatamente ao que ele ansiava — um desejo sexual ardente e desesperado.
E então, finalmente, no dia em que fez 18 anos, Lua foi até ele. Sem a menor hesitação, Arthur fez amor com ela, tomando sua virgindade, tornando-a sua.
Não queria se apaixonar. Viu como isso afetou sua mãe, e a destruição que lhe causou. O único homem que ela amou, o sujeito errante e vadio que era o pai de Arthur, lhe deu um chute certeiro no coração.
Do mesmo jeito que Lua acabou fazendo com ele.
Arthur nunca deveria ter pedido para que morasse com ele. Ele...
— Arthur?
Espantou aqueles pensamentos. Ou pelo menos tentou. O passado ainda se confundia com o presente — a frustração, o medo.
— O quê?
— Preciso da sua ajuda.
Arthur espiou Lua com o canto dos olhos.
— Ajuda com o quê?
— Com o bebê.
Voltou-se para Miguel. O garoto testava os limites da sua prisão, e apoiando nas laterais para chacoalhar o cercado.
— Como assim?
— Preciso que você se comprometa a ser o pai dele.
Arthur sentiu a pulsação disparar no braço.
— Mas você disse que a Família da Costa Oeste já pensa que eu sou o pai.
— Eu sei, mas todas as outras pessoas também precisam pensar a mesma coisa. Se nós não sustentarmos a farsa, os gângsteres podem descobrir a verdade.

— Você não tem o direito de me pedir uma coisa dessas. Esperar que eu crie o filho do seu irmão.
— Não espero que você faça isso para sempre, só por alguns meses.
— Eu pensei em todos os detalhes — revelou Lua. — Vou ficar no Texas por alguns meses, e então poderemos fingir que reatamos. Mas nossa tentativa de renovar nosso relacionamento vai fracassar, e eu deixarei a cidade para começar uma nova vida. Para manter as aparências, vamos continuar em contato para conversar sobre o bebê. Você será o pai preocupado, mas sem precisar se envolver muito.
— O que a faz pensar que eu não quero uma nova mulher na minha vida, ou que não possa estar saindo com alguém? — retrucou Arthur, fazendo com que ela se lembrasse quanto tempo esteve fora.
A voz de Lua estava trêmula.
— E você está saindo com alguém? Está ou não?
— Não. — Apesar de não poder responder o contrário, Arthur se alegrou, percebendo que apenas a sugestão sacudira Lua, e que ele havia plantado a semente da dúvida para que ela ficasse imaginando. Do mesmo jeito que ele imaginara, por 18 meses extenuantes, se ela havia fugido com outro homem, e se aquela era razão pela qual Lua desaparecera.

— Você devia, ao menos, ter arriscado uma única ligação, Lua. Devia ter me ligado. Só uma vez.
— Eu quis ligar. Foram tantas às vezes em que eu quis ligar para você.
— Mas não o fez.
— Eu pensava em você todo dia.
Arthur também pensava nela. Lua estava sempre lá, o belo fantasma do seu passado, a garota que desaparecera.
— Por que você não pensou em mim antes de ir para a Califórnia? Antes de se enrolar toda nessa confusão?
— Você não permitiria que eu encontrasse com Mica. O que mais eu poderia ter feito?
Cínico, Arthur desviou-se do assunto.
— Micael, tudo sempre diz respeito a ele.
— Dessa vez diz respeito a Miguel. Uma criança inocente. — Os olhos de Lua estavam úmidos. — Por favor, entenda. Isto é importante. Mais importante do que você possa imaginar. O pai de Sophia, provavelmente, vai manter um olho em nós, apenas para saber se o Mica nos procurou. Obviamente, Halloway vai tentar extrair informação de conhecidos nossos. Por esse motivo, precisamos ter certeza de que cada pessoa com quem nos relacionamos acredita que Miguel é nosso filho. Se vazar qualquer rumor que ele é filho de Mica...

— Dois meses — ofereceu Arthur. — Mas eu vou explicar toda essa falcatrua para meu tio.
— Não! — Lua quase decolou do sofá. — Você não pode contar a ninguém, a nenhuma alma viva. Este tem que ser nosso segredo, a mentira que levaremos para o túmulo.
— Isto não está certo. — Arthur não mentia para o tio desde que era garoto, um jovenzinho eloqüente que não dava a mínima para ninguém a não ser ele próprio.
— Por favor. — Lua foi até o bebê, tomando-o nos braços. — Por favor.
Droga. Droga. Droga.
— Tudo bem — concordou, enquanto aquele sorriso babado escavava um caminho indesejável rumo ao seu bom senso. Estará tudo terminado em dois meses, conformou-se.
O dia passou rapidamente, mas quando a noite começou a rondar, Lua se tornava mais e mais ansiosa.
Arthur fora trabalhar naquela manhã e ela não o vira mais.
Passou o tempo todo ocupada, fazendo o melhor que podia para tornar a casa segura para o bebê, trocando o berço de lugar, descarregando seu carro alugado, preparando o quarto de hóspedes para ela e Miguel.
Então Lua teve a brilhante idéia de preparar algo para o jantar, presumindo, ingenuamente, que Arthur chegaria a tempo.
Sob a mesa posta, a comida esfriou completamente. Não era uma refeição sofisticada, mas, considerando o conteúdo simplório da geladeira de Arthur, Lua até que havia preparado um belo filé.
O que estava fazendo? Tentando retornar de onde haviam parado? Se Arthur não a amava naquela época, o que a levava a pensar que poderia se apaixonar por ela agora? E que os dois próximos meses pudessem mudar sua vida?

Lua precisava de Arthur para ajudá-la a montar aquela encenação, assumindo a paternidade de Miguel, mas, ela não tinha o direito de esperar mais nada além disso.
Podia desejar Arthur intensamente, ou até mesmo implorar seu amor, mas não devia esperar mais dele.
Arthur chegou.
Deveria ir até lá recebê-lo, ou continuar limpando a mesa? Amaldiçoando as mãos trêmulas, Lua escolheu a mesa. Como um homem que ela conhecia por tanto tempo ainda era capaz de deixá-la tão nervosa?
Porque ela o amara por mais da metade da vida, porque sempre sonhara acordada com Arthur.
Enquanto Lua fazia uma careta para a vagem, decidindo se devia jogar fora ou não, Arthur entrou na sala de jantar.
— Ora, você preparou o jantar?
Lua levantou os olhos. 
— Preparei. — Desejou ter se lembrado de remover os castiçais porque a vela aromática ainda queimava, impregnando o ambiente com uma atmosfera romântica, pensou Lua. — Está com fome? A comida esfriou, mas eu posso esquentar.
— Eu comi alguma coisa na cidade.
— Ah. — Lua revirava entre os dedos um guardanapo em forma de leque, repentinamente envergonhada por tê-lo dobrado daquela maneira. — Então você foi a algum lugar?
— Claro, ou você pensou que eu estava trabalhando até essa hora?
Lua deu de ombros, como se não fizesse diferença saber por onde ele tinha andado. Mas não se controlou e acabou perguntando.
— E aonde você foi?
Arthur endireitou a postura.
— Fui tomar umas cervejas.

— No The Corral?
— É.
Então Arthur estivera no inferninho local.
— O que você faz por lá?
— O que eu acabei de dizer, fui tomar umas cervejas.
— E isso foi tudo o que você fez?
Arthur levantou a cobertura de papel-alumínio e examinou o bife.
— Sim, foi tudo.
— Eu arrumei a casa — disse Lua, mudando estrategicamente de assunto, e odiando a si mesma por ter bancado a namorada ciumenta.
— Você não precisava ter feito isso. Eu não espero que você coloque em ordem tudo o que eu deixo fora do lugar.
— Eu precisava ajeitar as coisas para o bebê não se ferir se arrastando por aí.
- Ah. — Arthur tirou um pedaço do filé, comeu e se surpreendeu. — Hum, acho que meu apetite voltou.
O que voltou? Lua se perguntou.
— Ah, claro. Eu vou fazer um prato.
— Já está bom — garantiu Arthur, devorando as fatias de carne ainda frias. Em seguida, destampou o purê de batatas e comeu uma porção gigantesca direto na tigela.
Bem diferente do jantar íntimo que Lua havia planejado.
— Você contou a alguém sobre Miguel e sobre mim?
— Não.
— Nem mesmo para Paco?
— Meu tio estava ocupado demais hoje.
— Ocupado demais para conversar com você?

Agora foi a vez de Arthur fingir indiferença.
— Eu não estava com vontade de passar por nada disso hoje.
— Me parece que um homem, cuja namorada acabou de voltar para ele com um bebê, deveria tentar explicar a situação para sua família, antes de sair para beber.
Arthur levantou as sobrancelhas.
— Mas Miguel não é meu filho.
— Supostamente deveria ser, Arthur.
— Mas não é.
Lua sentiu vontade de chorar, de afundar no chão e dar vazão à sua dor, da mesma maneira como chorava por causa do outro pônei.
— Você não pode agir deste jeito, já que vamos dizer a todo mundo que Miguel é nosso filho.
— Então me dê alguns dias para que eu possa me acostumar. Para que eu possa suportar idéia.
— Está bem. — Lua carregou a louça para a cozinha, indo e voltando, jogando fora os restos de comida.
— Onde está o menino?
— Dormindo. Já passa das 10. Ou você não notou?
— Você não é mais minha namorada, Lua. Eu não tenho que passar a noite em casa.

Lua sentiu novo aperto no peito. Dor, fúria e um sofrimento profundo a sufocavam, na mais completa devastação.
— Sim, você tem. As pessoas devem pensar que estamos nos reconciliando.
Os olhos de Arthur faiscaram.
— Isso quer dizer que eu vou ter que dormir com você? Tirar proveito de toda aquela safadeza até encher e depois enxotar você da cama?
Lua congelou. Era daquele jeito que ele pensava nela e nas noites que passaram abraçados um ao outro?
Teve ímpeto de atirar um prato na cabeça dele, mas já tinha removido toda a louça da mesa.
— Nunca na sua vida, parceiro. E quando chegar a hora certa, vou embora sozinha.
— Claro que vai. Você já partiu antes. Não deve ser muito difícil ir embora uma segunda vez.
Lua controlou a raiva.
— Eu nunca desejei ir embora.
— Mas se mandou assim mesmo. E agora está de volta, com o filho do Micael.
— Nosso filho, Arthur. Você precisa começar a pensar nele como nosso filho.
O tom da voz dela se suavizou, enquanto Arthur, ao contrário, manteve a postura defensiva.
— Micael concordou que você trouxesse o bebê para mim? Que me passasse pelo pai de Miguel?
— Sim. Mica acha que você será um ótimo pai. Que você vai tratar Miguel do jeito certo. — Mas Mica também pensou no quanto Arthur amava Lua, assim como ela o amara por tantos anos. Claro que a garota duvidou que Arthur acreditaria que Mica intercederia por ele, abençoando sua união. — Mica não odeia você só porque você o odeia.

— Sim, ele me odeia. Micael apenas diz o que você quer ouvir. Ele sempre fez isso.
Dizer o que ela queria ouvir... como afirmar que Arthur a amava.
— Mica é meu irmão. Me proteger é a função dele.
— Do jeito que ele protegeu você de ser capturada pela Máfia?
Abatida,Lua fechou os olhos.
— Não quero conversar mais sobre ele. — Não queria pensar no irmão, condenado a fugir pelo resto da vida, lamentando a perda da mulher e do filho.
— Me desculpe — manifestou-se Arthur. — Eu sei que você passou um tempo difícil.
— Está bem. — E perdê-lo tornou tudo ainda mais difícil.
Arthur esticou a mão, como para tirar uma mecha de cabelo do rosto de Lua, mas resistiu ao impulso e enfiou as mãos nos bolsos.
— Eu preciso dormir.
Lua, que estava segurando a respiração, expirou aliviada.
— Eu também.
Então Lua e Arthur, como os amantes separados e feridos que se tornaram, se deixaram levar para quartos diferentes. E cada um fechou sua porta em silêncio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário