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domingo, 25 de novembro de 2012

A Família Aguiar Cap.1







A chuva fustigava as janelas, e relâmpagos cintilavam em riscos incandescentes. O retumbar intermitente das trovoadas fez com que Arthur Aguiar, 25 anos, se lembrasse do povo-trovão das lendas Cherokee que o tio lhe contava.
Quando era garoto, Arthur zombava da existência daquelas criaturas sagradas, mas naquela noite transtornada pela fúria do mau tempo imaginava se tais seres não poderiam estar lá fora, autorizados pelo Criador a executar seus deveres especiais.
Deveres trovejantes.
Cabum!
Outro estrondo quase fez seu coração sair pela boca.
Mas, então, por que Arthur pressentia que alguma coisa estava prestes a acontecer? Alguma coisa que não estava nos seus planos, pensou, enquanto mantinha os olhos fixos na TV.
Novamente, uma trovoada irrompeu através da sala de estar, e Arthur agora olhou em volta, só para se assegurar que estava tudo bem.
Arthur morava em uma casa de fazenda típica do Oeste americano, com telhado vermelho e paredes brancas, em Texas Hill Country, o lugar onde nasceu. Um lugar onde vivia em paz, ao menos na maior parte do tempo.
Cabum!
Outra vez aquele barulho. Só que agora parecia muito perto, muito familiar, muito...
Muito parecido com alguém batendo à porta?
Com um sorriso maroto, Arthur abriu a porta.
Lua Blanco estava em pé do outro lado, completamente encharcada, e abraçando contra o peito uma trouxa enrolada sob um cobertor.
Lua — sua namorada desaparecida, a mulher que sumira há um ano e meio sem deixar pistas. A loira estonteante que sentenciou seu torturado coração ao inferno.
Seus olhares se tocaram, e o pulso de Arthur disparou. A água faiscava no rosto dela, salpicando seus cílios de pontinhos brilhantes. Mesmo no escuro, os olhos de Lua irradiavam um castanho cristalino.


— Eu toquei a campainha, mas não estava funcionando — explicou ela, sua voz soou como um toque de serenidade em meio ao temporal.
Tudo o que Arthur podia fazer naquele instante era contemplar Lua, e lutar para controlar as emoções. Desconfiou que o embrulho amarfanhado nos braços dela só poderia ser um bebê.
Mas de quem seria aquela criança? Dele ou de outro sujeito?
Arthur sequer fazia idéia do que acontecera com Lua. Ela viajara para a Califórnia a negócios e, simplesmente, havia evaporado no ar. Desnorteado com a sensação de que algo terrível houvesse acontecido, Arthur preencheu um Boletim de Ocorrências no setor de pessoas desaparecidas do departamento de polícia. Porém, o que a investigação policial trouxe à tona foi apenas um motivo de grande decepção.
— Posso entrar? — pediu Lua.
Arthur não poderia mandar a criança embora, não se fosse dele.
Assim, sem dizer nada, deu um passo para trás, permitindo que Lua entrasse na casa onde viveram juntos um dia.
— Arthur?


Pronunciado pelos lábios dela, seu nome penetrou-lhe como uma flecha. Assim como as lembranças do inquérito policial. A suposta convenção da qual Lua participaria jamais ocorrera e, além disso, ela encerrou sua conta de poupança em Los Angeles, sacando todo o dinheiro que herdara da falecida mãe com o resgate do seguro de vida.
O departamento de polícia de Los Angeles concluiu que o desaparecimento de Lua fora intencional, e como ela não estava envolvida em nenhum crime, os investigadores decidiram interromper a busca pelos indícios que pudessem guiá-los até ela.
Entretanto, havia uma pista fundamental para solucionar o mistério. A polícia descobriu que Micael Borges, meio-irmão de Lua, estava morando em LA e que havia deixado a cidade no mesmo dia em que ela havia cancelado a conta no banco.
Mas como Mica havia recebido a suspensão da sentença judicial, o ex-presidiário agora estava livre para andar por onde bem entendesse. Assim como Lua, argumentaram os detetives.


— Arthur? — repetiu Lua, atraindo de volta a atenção dele.
— Sim?
— Tudo bem se nós passarmos a noite aqui?
Nós. Ela e a criança.
— Sim — respondeu, mais uma vez.
— Será que você poderia buscar o berço dele no carro? É um modelo portátil. Há também uma valise da qual vou precisar. E uma sacola de fraldas.
Quantos meses teria a criança?, pensou Arthur, enquanto pegava as chaves de Lua para se aventurar do lado de fora. Ele precisaria olhar o bebê mais de perto para descobrir.
Será que ela já estava grávida quando resolveu ir embora?
Carregou todas as coisas para dentro, e ela agradeceu com um sussurro.
E de novo, o silêncio.


— Você pode segurar o bebê enquanto eu arrumo a cama?
Ele. Então era um menino.
Arthur se aproximou, e Lua passou a criança para os seus braços. Não era exatamente um amador no trato com bebês; seu tio Paco tinha um filho de apenas seis semanas. Claro, esta criança era muito maior e mais pesada do que o outro pequenino.
— Qual é o nome dele? — indagou Arthur.
Lua afofou as roupas de cama.
— Miguel.
Arthur observou o rosto da criança com mais atenção. Podia ver claramente que Miguel tinha sangue indígena correndo pelo corpo.
— Quantos meses ele tem, Lua?
— Dez meses. — Nervosa, Lua ergueu o bebê e o colocou no berço, removendo a manta que o envolvia.
Miguel se agitou um pouco, mas não chegou a despertar.
Um bebê de 10 meses com traços indígenas. Não era preciso ser nenhum gênio para fazer as contas e solucionar a equação étnica.
— Ele é meu?


Lua não respondeu. Ao contrário, remexeu no pijama da criança e ajustou a meia que estava solta, colocando-a de volta no pezinho.
Arthur então se aproximou dela, ansioso, esperançoso, apreensivo.
— Perguntei se ele é meu, Lua? — insistiu Arthur.
Mas em vez de responder, a moça lhe deu as costas e saiu.
— Não podemos conversar lá dentro. Não antes que eu varra a casa para procurar os insetos.
Insetos? Arthur fitou Lua atentamente. Compreendeu que ela se referia a equipamentos de escuta eletrônica.
— O que está acontecendo? Em que tipo de encrenca você se meteu?
— Quem está encrencado é o Mica.
Arthur concordou com a cabeça. O irmão dela sempre se metia em confusão.
— E o menino, é meu filho?
— Miguel é filho de Mica.


Sentiu um embrulho no estômago. Então o bebê não era dele. Maldita Lua. A mulher trouxera para sua casa o filho de Mica. O mesmo homem com quem ele proibiu que ela se encontrasse. O ex-condenado que Arthur banira de suas vidas.
Por isso, Miguel aparentava possuir ascendência indígena. Afinal, Micael era metade Cherokee, assim como Arthur.
— E quem é a mãe do garoto?
— O nome dela é Sophia.
— E onde ela se meteu? E Micael, por falar nisso? O que você está fazendo com o filho deles, Lua?
O ritmo da respiração dela acelerou.
— É uma longa história.
— Óbvio que é. Não se preocupe, eu tenho tempo de sobra.
Lua não poderia explicar, ao menos, não agora. Apontou para a tempestade, para a cortina cerrada formada pela chuva.
— O mundo está desabando lá fora, Arthur. Estou cansada e com frio. E aflita.
Temendo não ser capaz de contar sua história a Arthur, certamente ele jamais a perdoaria.


Lua já podia notar a dor e a raiva nos olhos dele. Ferir os sentimentos de Arthur era algo que nunca desejara. Mas não podia dar as costas ao irmão, nem mesmo por Arthur. Por isso, Lua foi para a Califórnia.
A única pessoa que poderia revelar seu segredo era o Dr. Mills, e o gentil e velho médico jamais cometeria a inconfidência de mostrar o prontuário clínico dela a alguém.
Mostraria?
Houve uma época em que Mica e Arthur foram amigos inseparáveis. No primário, Lua costumava segui-los por toda parte, de um lado porque estava preocupada com Mica e, de outro, porque se apaixonara por Arthur. Ele sempre sorria para Lua, mesmo quando ainda era uma garotinha esquelética e de peito achatado como uma tábua.
Lua ergueu o rosto, encontrando os olhos dele.
Só que agora Arthur não estava sorrindo.
— Arthur?
— O quê? — retrucou ele, com rispidez.
— Não use o telefone nem conte para ninguém que estou aqui. Ninguém, nem mesmo o seu tio.
— Por quanto tempo?
— Até que eu consiga proteger sua casa.
— Se o seu irmão me arrastou para alguma coisa ilegal, eu o mato.
Proteger a vida de uma criança poderia parecer um crime para Arthur?
Uma nova rajada de chuva o forçou a franzir os olhos outra vez.


— Eu devia obrigar você a me contar. Devia arrancar toda essa maldita história de você. Aqui mesmo. Agora mesmo. Só que eu não vou fazer isso. E você sabe por quê?
Nervosa, Lua acenou com a cabeça que não. O tom de voz dele soava tão frio, tão inflexível.
— Porque mais um dia não vai fazer a menor diferença. O que está feito, está feito. Você fez sua escolha quando decidiu mentir para mim. Quando você não ligou. Não voltou mais.
— Eu sinto muito — desculpou-se Lua, tentando sufocar o choro para não desabar na frente dele.
Será que Arthur entenderia caso lhe explicasse por que não ligou? E por que não voltou antes?
Por mais unidos que Lua e Arthur fossem, ele nunca dissera que a amava, nem mesmo quando insistiu para que morassem juntos.
Bem, afinal de contas, ninguém mais além do irmão cabeça-dura havia lhe dirigido essas palavras. As frases ternas com as quais Mica sempre a tratava, como "Obrigado por se importar" e "Eu te amo, garota" se transformaram no seu salva-vidas, na convicção de que era verdadeiramente digna de ser amada.
Mica entendia muito bem a obstinação da irmã. O pai de Lua, seu padrasto, invariavelmente desaprovava tudo o que ele fazia, e o castigava com freqüência, erguendo os punhos contra o enteado até o dia em que Mica cresceu o suficiente para se defender.
Lua se ajoelhou para acariciar o cabelo castanho e espesso do bebê e, afinal, decidiu encarar Arthur de frente.


Disfarçadamente, ele trocou os pés de posição. Arthur parecia tão sombrio, tão ameaçador. Mesmo assim, Lua se recordou do quanto ele podia ser gentil, meigo, infantil e brincalhão.
Arthur costumava provocá-la com cócegas, atacando com os dedos entre as suas costelas até que Lua quase morresse de tanto rir. Depois a beijava até que suspirasse seu nome, e então se derretesse sobre a cama, seu corpo nu sobre o dela.
— Você pode dormir no quarto de hóspedes — ofereceu Arthur, sem o menor vestígio de hospitalidade na voz.
— Obrigada, mas o sofá está ótimo. A cama de Miguel já está armada aqui na sala, e eu gostaria de ficar perto dele.
— Vejo você pela manhã — despediu-se Lua.
Arthur espiou o bebê, depois se voltou para ela.
— Tem leite na geladeira se você precisar.
— Obrigada. — Lua observou enquanto ele desligava a TV, e foi andando pelo corredor.
Arthur Aguiar, com sua pele de bronze e seus cabelos negros como as asas de um corvo. O homem que ela amava. O homem que ela desejava não ter traído jamais.


Arthur se arrastou até o chuveiro. Passou a maior parte da noite revirando-se na cama. Assim que a água esmurrou seu corpo e ele alcançou a toalha, Arthur disse a si mesmo para relaxar, a fim de enfrentar o dia com toda a paciência da qual pudesse dispor.
Enquanto escovava os dentes, notou que outro tubo de pasta estava sobre a bancada da pia.
Pertencia a Lua.
O passado retornou para zombar dele, trazendo de volta as recordações — doces e amargas — do tempo em que vivia com Lua, dividindo com ela o mesmo espaço. A velha casa de fazenda de Arthur possuía três quartos e um banheiro muito aconchegante.
Enxaguou a boca e olhou de lado para a pasta de dentes de Lua, tentando dissipar a inconveniente sensação de intimidade que a presença daquele objeto despertara.
Arthur se serviu de uma xícara de café e permaneceu quieto por um instante, tentando acalmar o coração. Só então decidiu ir até a sala, onde acabou tropeçando nos fios emaranhados de uma variedade de equipamentos eletrônicos.


O sistema de segurança sobre a mesinha de centro parecia funcionar automaticamente, já que ao mesmo tempo Lua operava outro detector, certamente projetado por Mica.
O irmão de Lua era um gênio jovem e arrogante, e tão habilidoso quanto alguém que possuísse um título de doutorado em engenharia elétrica. Ele deve ter ensinado a Lua tudo o que ela precisava saber.
O aparelho parecia bastante simples de ser operado, mas isso não diminuía sua eficácia. Micael Borges não construía geringonças como aquelas vendidas nas lojas de produtos para espionagem caseira. Ele lidava com a coisa real.
O bebê fez um ruído e atraiu a atenção de Arthur para o berço. Miguel estava dormindo, mas uma mamadeira suspeita descansava ao seu lado. Aparentemente, Miguel tomou um pouco de leite e caiu no sono outra vez.
Só então Lua se virou para Arthur, fitando-o diretamente nos olhos.
— Bom dia — cumprimentou Arthur.
— Oh, claro. — Arthur inclinou a cabeça como um garanhão puro-sangue, simulando ironicamente um brinde com a xícara de café. — Bom dia.
Ignorando o sarcasmo, Lua ajustou o detector. Estava muito empenhada retirando a poeira da velha escrivaninha, e de todas as coisas depositadas sobre o móvel.
— A que horas você sai para trabalhar? — inquiriu Lua.
— Quando eu achar que devo.
Lua sabia muito bem que ele fazia o próprio horário. Arthur e o tio administravam um rancho turístico de prestígio nas montanhas, mas ele nunca teve o hábito de bater o cartão no relógio de ponto.
E já que o assunto era esse, muito menos ela. Lua era a coordenadora de eventos do rancho, uma função que, de um jeito ou de outro, acabou deixando por conta de Arthur.
Ela continuou varrendo, enquanto Arthur bebericava o café, sem conseguir aquecer seu estômago.


Lua levou todo o equipamento para o quarto de Arthur, que percebeu que aquele fora o único cômodo que a moça não havia revistado. Aparentemente, ela estava de pé desde o amanhecer, inspecionando a casa.
Arthur permaneceu na sala. A idéia de que sua casa precisava de um escrutínio daquele o estava deixando doente. Ele se recusava a considerar a hipótese de ter estranhos bisbilhotando sua vida, invadindo sua privacidade — como as vezes em que xingava sozinho, resmungava com a TV ou socava as paredes por pura frustração.
Tudo por causa de Lua.
Quando Lua voltou, ele já tinha preparado um segundo bule. Arthur pensou em acender um cigarro, mas voltou atrás ao supor que fumar perto do garoto não seria correto.
— Não encontrei nada. — Lua sentou no sofá e acomodou sua xícara na extremidade da mesa. — Mas não posso estar segura quanto aos telefones. Eu não tenho a habilidade necessária para detectar tipos mais sofisticados de escuta eletrônica ou de grampos.
— Seu irmão não te ensinou? — perguntou Arthur, incapaz de reprimir o tom de desafio.
Lua apenas suspirou.
— Um grampo pode ser instalado há quilômetros de distância do local desejado. E um transmissor de rádio pode ficar escondido a até seis metros de altura.
— Então, o que vamos fazer?
— Evitar conversar sobre assuntos confidenciais no telefone.
Arthur franziu a testa.
— Só isso?
— Não. Eu tenho o número de um velho amigo de Mica. Alguém em quem meu irmão confia. Ele é especialista em comunicações e vai checar as linhas telefônicas. Eu só não sei quando.
— Ótimo. Seja como for. — Arthur estava cansado do romantismo dos jogos de espião em que Mica sempre conseguia envolver Lua. Queria respostas desta vez, só para variar.
E agora.


— Fale — ordenou ele. — Me conte o que está acontecendo.
As mãos habilidosas de Lua começaram a tremer.
— A razão pela qual eu fui embora?
Arthur arregalou os olhos em decepção.
— E por que você ficou longe durante tanto tempo.
— Claro, tudo bem. Você merece saber toda a verdade.
Arthur franziu a testa. Ouviu direito, ela murmurou a palavra verdade? Ou foi apenas sua imaginação? Afinal, a voz de Lua soou quase tão silenciosa quanto um pensamento.
— Assim que você estiver pronta — alfinetou.
— Mica me ligou da Califórnia — começou Lua. — Estava saindo às escondidas com uma garota chamada Sophia, uma universitária de família rica, e pretendia se casar com ela.
Arthur ergueu as sobrancelhas ao ouvir aquela última frase, mas manteve a boca fechada, permitindo que Lua continuasse.
— O pai de Sophia ameaçou Mica. Mandou que ele ficasse bem longe da filha. Por isso, Mica e Sophia estavam planejando um jeito de fugir da cidade, casar e desaparecer de vez. — Lua se endireitou no sofá, encarando Arthur novamente. — Calculei que o pai dela fosse um político eminente, ou um oficial de justiça muito poderoso. Alguém que pudesse encontrar um modo de condenar Mica por um crime que ele não havia cometido, para mandá-lo de volta à prisão.
Muito bem. Como se Micael precisasse de desculpas para acabar na cadeia de novo, ou para atentar contra a sociedade. Arthur costumava sair por aí com o irmão de Lua, e juntos cometeram transgressões sem importância, como os ladrões de galinha e os de fundo de quintal. Mas apenas Micael prosseguiu com seus crimes, promovendo-os ao patamar adulto de riscos. Para celebrar a graduação no segundo grau, por exemplo, ele assaltou a casa do diretor da escola. Mica fez aquilo de farra, uma atitude do tipo "Ei, otário, curve-se aos meus pés", o problema é que ele construiu o futuro seguindo exatamente a mesma filosofia.


Um outro crime de Mica envolveu um pouco mais de perigo. E o seguinte lhe rendeu uma curta, porém memorável, temporada na prisão.
O bebê despertou com um choro comovente, interrompendo os pensamentos de Arthur.
Lua saltou do sofá e correu em socorro do menino. Estendeu os braços e aconchegou a criança no colo, acalmando-a com murmúrios maternais.
— Eu preciso trocar a fralda e dar almoço a ele — disse Lua.
Arthur acenou com a mão, fingindo indiferença.
— Tudo bem.
Quando Miguel, tomado de curiosidade, cravou os olhos em Arthur, Lua acompanhou o olhar do menino. E, por sua vez, Arthur se revirou na cadeira, desejando que aquela minuciosa inspeção terminasse logo.
E finalmente acabou.


Lua colocou Miguel de volta no berço portátil, que parecia dobrar de tamanho como cercadinho. Um punhado de brinquedos acompanhou a criança para dentro da pequena gaiola. Apesar de limpo, parecia velho, provavelmente comprado em uma loja de artigos de segunda mão.
— Me conte o resto da história — exigiu ele, tomado subitamente de compaixão pelo garoto. Lembrou de ter sobrevivido do empréstimo de coisas usadas, pelo menos até o tio rico aparecer.
Lua tomou fôlego.
— Eu queria me despedir de Mica pessoalmente, vê-lo antes que desaparecesse. Ele avisou que depois que partisse com Sophia não poderia mais me procurar.
Então, ela inventou a história da viagem para Los Angeles, concluiu Arthur, deixando que ele acreditasse que estava participando de uma conferência.
— Você não deveria estar em contato com Micael, só para começar. Você me prometeu que iria cortá-lo da sua vida, que iria ficar bem longe dele.
— Eu sei, mas eu não podia fazer isso. Não em uma hora dessas.
Arthur se deu conta. Durante todo aquele tempo, Lua jamais rompera os laços com Mica.


— Quando eu cheguei em Los Angeles, a coisa toda desmoronou. Fui direto para o apartamento do meu irmão no centro da cidade, e encontrei Sophia lá, em prantos. Mica estava no chão, inconsciente. Ele tinha sido brutalmente espancado. Apenas um aviso enviado pelo pai de Sophia para que se afastasse dela definitivamente.
— Eu ainda tentei discar para o serviço de emergência da polícia — continuou ela. — Mas Sophia me implorou para não pedir ajuda, mesmo se Mica agora estivesse completamente coberto de hematomas, deitado sobre uma poça de sangue. Eu não sabia o que fazer. — Lua fez uma pausa angustiada, como se estivesse recordando todo o terror que sentiu naquela hora. — Então, Sophia me pediu para ajudá-la a tirar Mica da cidade. E a cuidar dos seus ferimentos.
— E foi isso o que você fez?
— Foi, mas a tarefa dolorosa não parou por aí.
— Que tarefa dolorosa?
— Nós tivemos que fugir.
— De quem? Do pai de Sophia?
— Sim. — Ela ergueu a cabeça, encontrando o olhar de Arthur. Sua voz assumiu um tom assustado. — O pai dela não é um homem comum. Ele é...
— Ele é o quê?
— Ele é chefe de uma organização criminosa em Los Angeles. Nós estávamos fugindo da Família da Costa Oeste.
— Você quer dizer a Máfia? Os caras que comandam círculos de chantagem e extorsão? Contrabando de drogas? Que enchem seus inimigos de buracos de bala?
— Sim — respondeu ela baixinho — a Máfia.

...

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