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- Revidar, agora? - perguntou Anna.
- É. Ele é um atleta nato. Posso ver pela maneira como se move no campo - disse a ela. - Já dei várias chances pra ele mostrar pros outros o talento que tem. Mas ele sempre acaba fazendo alguma coisa errada.
Anna continuava concordando. Arthur fitava o seu sanduíche como se estivesse mergulhado em seus pensamentos. "Talvez eu aborreça tremendamente os homens", eu pensei. "Daqui a pouco, ele vai estar dormindo que nem o Luke."
- Acho que o Miguel é canhoto como eu - Arthur disse baixinho. - Tenho quase certeza de que ele pinta com essa mão. Será que ele está tentando praticar esportes com a mão direita?
- Não sei - respondi, tentando me lembrar de algo que provasse a teoria de Arthur. - Mas agora que você falou isso... ele é o tipo de criança que faz tudo exatamente como a gente pede. Pode ser isso! Ele deve ser um atirador canhoto. Você pode estar certo, Arthur! - exclamei, sacudindo-o pelo braço, de modo que o sanduíche que comia tremeu em sua boca, deixando cair uma folha de alface. - Ai, desculpe!
Ele sorriu para mim e deu uma mordida.
- Espero realmente que você esteja certo - continuei. – Eu sei que a gente não deve ter favoritos, mas eu gosto muito dele.
- Bem, é impossível não ter favoritos - disse Anna. – O fato é que as crianças são pessoas. Elas também têm personalidade. E nós vamos sempre ter uma afinidade maior com alguma criança. Assim como nós temos com pessoas da nossa idade. Só não podemos demonstrar isso.
Nós três ficamos um tempo mastigando em silêncio.
- É engraçado, não é? - disse, olhando para Anna. – A maneira como a gente é atraída por alguém. Às vezes, é um estalo. Na mesma hora.
Ela concordou.
- Mas, às vezes, a pessoa vai chegando de mansinho. E, de repente, você se dá conta de que está pensando nela o tempo todo. Está sempre esperando, querendo encontrar aquela pessoa novamente.
Anna fitou Arthur.
- Como o Ovos Mexidos?- sugeriu Arthur.
- Como o Luke - disse com teimosia.
- E aí? Como é que foi ontem à noite?
Eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, ele iria querer saber.
- Bom.
- Bom? - repetiu Arthur. - Depois de correr pra casa, lavar, secar e passar sua roupa, e, provavelmente, também passar o cabelo, tudo o que você consegue dizer é "bom"?
- Bem, o que você quer? - perguntei com raiva. – Uma descrição passo a passo?
- É possível - falou Anna, fechando a sua garrafa de água.
- O filme foi muito interessante - falei friamente.
Arthur abriu um sorriso:
- Não era aquele em que todas as criaturas parecem um monte de gelatina mole?
- É - respondi. - Pensei que um tipo como você não gostasse de filmes assim.
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- É - respondi. - Pensei que um tipo como você não gostasse de filmes assim.
- Eu não disse que não gosto. Só estava curioso para saber a sua opinião.
- Foi bom - retruquei, apertando a mandíbula.
- Acho que já chegamos à conclusão de que o encontro e o filme foram bons - falou Anna.
- Anna e eu estávamos atravessando o campus esta manhã - continuou Arthur -, e sabe aquela área com grama perto do córrego e das árvores?
- Sei - disse apreensiva.
- Sabe aquela placa grande em que está escrito "Faculdade Kirbysmith"? Está derrubada. Alguém dirigiu sobre a grama ontem à noite e deve ter passado por cima dela.
- Não é possível que a gente tenha batido naquilo! - gritei.
Arthur e Anna se entreolharam, e, então, começaram a rir descontroladamente.
- Você me deve uma, Anna - disse Arthur. - Eu falei pra você que aquelas marcas de pneu eram do carro dela.
- Bem, mas você está errado - eu o interrompi. – Minha irmã estava dirigindo.
- Sua irmã? - seus olhos escuros ficaram ainda mais brilhantes com a gargalhada. - Quer dizer que existe outra como você?
- Não, não existe. Nós não poderíamos ser mais diferentes - disse a ele.
- É você que me deve, Arthur - retrucou Anna, colocando a mão sobre a dele. Foi um gesto casual, mas chamou a minha atenção, porque ela não era o tipo de pessoa que toca os outros.
Parece que, em um curto período de tempo, ela e Arthur haviam se tornado mais íntimos.
Anna retirou a mão e amassou o saquinho de papel do seu sanduíche.
- Bem, há uma pilha de textos sobre educação esperando por mim na biblioteca - ela disse.
- Precisa de ajuda para carregá-los? - perguntou Arthur, arremessando o saco de papel que Anna acabara de amassar dentro da lixeira.
- Não, não - ela falou rapidamente. - Termine de almoçar. Mesmo assim, obrigada - e abriu um lindo sorriso para ele. "Será que estava acontecendo alguma coisa entre eles?", fiquei pensando.
- Ela é legal- eu disse enquanto ela saía.
- É mesmo - Arthur concordou.
- Está ficando com ela?
Arthur se engasgou com o sanduíche.
- Como?
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Arthur se engasgou com o sanduíche.
- Como?
- Você está ficando com ela?
- Ela está no último ano da faculdade - ele me lembrou. - Somos amigos. Só isso.
- Ah. Como você e eu.
Ele hesitou:
- Mais ou menos.
Comecei a balançar os pés, batendo os calcanhares contra o murinho de tijolos.
- Quer dizer que eu e você somos amigos? - perguntei.
- Por que você está perguntando isso?
- Por que você está sempre me perguntando "por que eu estou perguntando"?
Olhamos um para o outro e, em seguida, nos viramos para o lado.
- Certo - disse a ele. - Se somos amigos, eu quero pedir um favor pra você. Na verdade - eu me corrigi -, vamos colocar desta maneira. Eu vou fazer um grande favor pra você. Um favor fantástico. Tenho uma ótima idéia. Pérola.
- Pérola, o quê?
- Pérola Faria. Como você pôde esquecer? Eu acho que vocês fariam um par perfeito.
- Você acha?
Parece que Arthur não gostou muito do comentário. Pude perceber o modo como ele apertava os lábios.
- Não precisa ficar nervoso.
- Não estou - ele disse, disfarçando a tensão da boca.
- Então, fique animado! - falei. - Existe um monte de carinhas que dariam a vida para conseguir um encontro com ela. Ela é linda. Só veste roupas sexies. E seus olhos destroem qualquer coração. Ela...
- Está bem- ele me interrompeu. – Já ouvi tudo isso na festa do Steve. - Ele desceu do muro e parou na minha frente. - Sabe, Lua,você acha que sabe muito mais sobre os rapazes do que você realmente sabe. Acha que nós somos todos iguais e que gostamos do mesmo tipo de garota. Talvez você pense que somos todos estúpidos.
- Mas você não sabe...
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- Mas você não sabe...
- E o pior - ele continuou, me encarando, apoiando as mãos sobre o muro ao lado do meu corpo, chegando bem perto de mim - é que você tem certeza de que pode manipular a gente. Acha que sabe tudo sobre mim. Pensa que pode lidar comigo do mesmo modo que lida com os outros. E quer me usar para os seus propósitos pessoais. Eu odeio isso! Odeio!
Eu engoli seco e fitei os seus olhos escuros.
Ele deu um passo para trás.
- Toda essa intriga, tentando juntar Pérola e alguém. Pérola e eu. Se você quer tanto o Ovos Mexidos,vá atrás dele honestamente.
- Mas você não conhece a Pérola. Você não sabe sobre Craig e Todd e Lenny e Taylor e Bo e Tim! Eu nem consigo me lembrar de todos eles. Mas eu saí com cada um antes da Pérola. Eu não estou exagerando - acrescentei, quando ele me olhou surpreso. - Ela pega todos eles. Pergunte pra minha irmã.
- Então, por que você ainda é amiga dela?
- Porque sou uma idiota! - explodi. - Não é óbvio? Eu me preocupo com essa pessoa que se preocupa comigo, mas que se preocupa muito mais com ela própria. Sou uma completa idiota! Vá em frente, sinta pena de mim. Minha irmã sente... Mas eu acho que Sophia e eu temos de sentir pena uma da outra - acrescentei, mordendo os lábios.
Eu não sei por que eu fiz aquilo. Não costumo chorar facilmente e nunca choro na frente de outras pessoas, mas as lágrimas não paravam de cair. Estava me sentindo totalmente miserável e confusa sobre a Pérola. Estava extremamente irritada.
- Lua - ele falou docemente, pegando com os dedos uma mecha de cabelo que caía no meu rosto. Fechei os olhos, mas meu nariz continuava escorrendo. Abaixei a cabeça de modo que o meu cabelo cobrisse o meu rosto. Comecei a vasculhar os bolsos da calça com as mãos. E ele gentilmente puxou meu cabelo para trás e me deu um lenço de papel.
- Lua, escute – disse Arthur, ajoelhando-se para conseguir ver o meu rosto. - Quando a gente se preocupa muito com uma pessoa, a gente acaba fazendo coisas que as outras pessoas acham uma bobeira.
- Com certeza. Eu aposto que você e Anna fazem isso o tempo todo.
- Não sei quanto a Anna, mas eu sou bom nisso: melhorar a cada dia - ele acrescentou secamente.
- Isso é difícil de acreditar - eu disse, fungando. - Você é do tipo centrado, que fica na sua.
Ele fez uma careta.
- Obrigado... se é que isso foi um elogio.
Sorri um pouco.
- Certo, e o que você acha dessa idéia? - perguntou Arthur. - Eu vou sair com a Pérola se você realmente quer que eu faça isso, mas só se você for junto. Assim, isso vira um encontro casual.
- Na verdade, isso até seria melhor - considerei a proposta. - A Pérola foge sempre que um cara chega muito diretamente nela. É melhor que ela não perceba que tem algo combinado.
- Nada vai ser combinado - ele disse calmamente. - Lua, você não pode tomar como verdade que eu estou a fim da Pérola. Se isso acontecesse, eu não pediria a sua ajuda. Eu não precisaria da sua ajuda - acrescentou confiante. – Vamos apenas sair e nos divertir, certo?
- Certo - disse feliz. Mas eu já estava prevendo como seria isso e, mais tarde, naquele mesmo dia, eu chamei o Chay para ir conosco. Era bom ter alguém com quem conversar assim que o Arthur começasse a olhar fixamente para os lindos olhos da Pérola.
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- Então, esse é o Arthur - disse Sophia, na quinta à noite. Meu pai abriu a porta, trocou algumas palavras com Arthur e Chay e, depois, foi para o quarto com sua revista Mac world. Naturalmente, minha irmã se sentiu forçada a assumir o papel de "avaliadora da família".
Eu já havia tentado explicar a situação para ela, algumas horas antes:
- Não é um encontro de verdade, Sophia. Pelo menos não para mim. Portanto, você não precisa analisar os rapazes.
- Só que estou acompanhando essa novela por uma semana e meia. Não vou perder a oportunidade de conhecer um dos atores principais.
Agora ela estava encarando os dois, olhando-os de cima a baixo. Chay ficou vermelho de vergonha.
- Ouvi muito sobre você - Sophia disse a Arthur.
- Mesmo? - ele me olhou, sorrindo, meio incerto.
- Bem, não da Lua, mas você é muito popular na nossa secretária eletrônica - ela completou.
- Ah, e você deve ser aquela que entrou com o carro no bosque de Kirbysmith - falou Arthur.
Sophia soltou uma gargalhada.
- Então a Lua te contou sobre o Belo Adormecido.
- Belo Adormecido?- Arthur ficou intrigado.
- Sophia!- eu disse num tom de advertência.
- Que cara... - Sophia continuou, balançando a cabeça.
Arthur virou-se para mim, seus olhos brilhavam. Deve ter deduzido que Sophia estava falando sobre o Ovos Mexidos. Não recebia notícias de Luke desde segunda à noite e tinha escapado de todas as tentativas do Arthur e dos outros monitores de saber como havia sido o nosso encontro.
Olhei para o Chay. Esperava que ele nos mantivesse animados durante a noite toda, assim como ele fazia no trabalho. Mas ele tinha se transformado em uma outra pessoa. Em vez de bater palmas e dizer "Certo, pessoal, vamos embora, e vamos fazer dessa a melhor noite de nossas vidas!", ficou parado no mesmo lugar desde que entrou na sala.
- Sophia, este é Chay, o nosso destemido chefe - disse, tentando fazer com que ele mudasse de lugar.
Chay sorriu, parecendo um pouco nervoso. Esperava que ele fosse estender a mão como sempre fazia, dando pra gente a impressão de apertar a pata de um urso amigo. Mas suas mãos permaneciam caídas ao lado do corpo como se ele fosse um menino em seu primeiro baile de escola.
- Muito prazer, Sophia.
- Bem, a gente não quer deixar a Pérola esperando.
- Por que não? - perguntou Sophia.
Arthur soltou uma gargalhada.
- Sophia - disse Chay -, você gostaria de vir conosco?
Minha irmã o fitou, então, ficou corada. Foi a primeira vez que a vi assim desde que veio grávida para casa.
- É tudo o que eu precisava - ela disse acidamente -, chego a ficar enjoada só em pensar em parques de diversão.
Chay olhou confuso para ela.
- Eu acho que a Lua ainda não contou o pequeno segredo da nossa família. Mas eu tenho um bebê aqui dentro - e tocou a barriga.
- Ah...bem... que legal. Meus parabéns!- disse Chay.
Sophia esboçou algo entre uma careta e um sorriso. Chay parecia querer escapar pela janela mais próxima. Sutilmente comecei a acompanhá-lo até o hall de entrada.
- É uma pena que não possa vir com a gente - disse Arthur. – Gostaria de saber mais sobre o Belo Adormecido.
- Ah, eu poderia te contar várias coisas interessantes – falou Sophia, piscando o olho.
Empurrei Arthur pela porta e, finalmente, saímos.
Chay permaneceu calado durante todo o percurso até a casa da Pérola. Eu me sentei no banco da frente do carro, ao lado de Arthur, explicando-lhe o caminho e dando alguns conselhos sentimentais.
- Lua - ele finalmente disse -, eu pensei ter dito a você que este não seria um encontro amoroso. Não é um encontro. É apenas um grupo de amigos saindo para se divertir.
- Certo. E esta é apenas uma discussão teórica. Estou lhe falando o que sei sobre encontros e sobre Pérola caso você ache que isso possa ser útil no futuro.
Ele suspirou.
- Quer dizer, existem tão poucas oportunidades para um cara... Vire à esquerda. Esquerda! - eu gritei.
Arthur puxou o volante, e o carro derrapou na esquina.
- Da próxima vez - ele disse -, avise antes de atravessarmos o cruzamento, certo?
- Por exemplo - eu continuei -, imagine que você e uma garota estão vendo o pôr-do-sol ou a lua cheia, ou as luzes da cidade, seja lá o que for. Onde você ficará em pé?
- Como assim "onde"? - perguntou Arthur. - Isso é um teste?
- Só me fale onde.
- Que tal uma múltipla escolha? - ele pediu.
- A, em frente dela. B, ao lado dela. C, atrás dela.
- B, ao lado dela - falou, dando de ombros.
- Errado.
- Bem, talvez seja errado para você... - Arthur começou a falar.
- Se você fica em pé atrás dela e faz tudo do jeito certo: tocando a levemente - falei, tornando a minha voz doce e suave – com seus braços, enlaçando suavemente o corpo dela, as suas mãos quase, quase tocando os seios dela, a sua bochecha roçando a dela, sua boca chegando mais perto, tão perto que a deixa louca pra... o sinal vermelho, o sinal vermelho! Pare, Arthur! Nossa, você não viu?
- Você está me dando várias instruções diferentes ao mesmo tempo, Lua!
- Tudo bem, Chay? - perguntei. - Talvez seja melhor você apertar o cinto de segurança.
Chay concordou, seu rosto estava rosado novamente.
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Chay concordou, seu rosto estava rosado novamente.
- Agora, onde é que eu estava mesmo... ah, é, sua bochecha roçando a dela...
Arthur deu uma olhada pelo espelho retrovisor.
- Você não precisa continuar. Acho que o Chay e eu já entendemos tudo.
- Ótimo. Estamos quase lá. Vire à direita. É no final dessa rua escura. E como você é novo por aqui, provavelmente deve querer saber onde ficam as ruas escuras. É uma sorte que a Pérola viva em uma delas. Não que você vá precisar disso logo mais, é claro. Você não quer ser precipitado.
Arthur entrou na rua escura, desligou o carro e, depois, as luzes.
- O que você está fazendo? - perguntei.
Ele não me respondeu de imediato. Chay sussurrou do banco de trás:
- O que está acontecendo?
Arthur curvou-se sobre mim. Mesmo na escuridão, pude perceber quanto ele estava próximo. Aquele mesmo aroma agradável, a longa linha do seu queixo e o seu maxilar forte. Quando falou, a voz soou profunda e tensa:
- Repita depois de mim. Isto não é um encontro. Somos apenas quatro amigos nos divertindo.
- Nós certamente vamos nos divertir - eu disse, sorridente.
- Lua - ele segurou o meu queixo com um dedo, um único dedo, mas eu me senti completamente imobilizada. Aquela proximidade me mantinha estática. - Repita depois de mim. Isto não é um encontro.
E havia mais um conselho que eu queria dar. Quando a gente toca uma pessoa daquele jeito no escuro... mas, de repente, me dei conta de que Arthur devia saber o que estava fazendo.
- Tudo bem - eu disse, escapando dele. - Já entendi a mensagem.
- Bom.
Continuamos a seguir com o carro.
Embora estivéssemos atrasados, Pérola estava ainda mais atrasada, o que já havia se transformado em uma rotina dos nossos encontros duplos. Eu fiz o tour de sempre ao redor da piscina e do jardim da casa dela. Chay ficou impressionado. Arthur, no entanto, continuava impassível, até mesmo depois que a Pérola apareceu vestindo uma minissaia justa, os cabelos castanhos caindo suavemente ao redor do rosto. Tudo bem. Pérola adorou a falta de interesse dele. E quando Arthur puxou o elástico que estava prendendo o meu rabo-de-cavalo, dizendo que ele estava escorregando, ela mal disfarçou a inveja. Comecei a achar que Arthur sabia exatamente o que estava fazendo. Quando saímos para o parque de diversões, fiz com que Pérola o guiasse, assim ela poderia vencer sua timidez.
Sempre adorei parques de diversões. E lá estávamos nós, perambulando entre carrinhos de vidro transparente com pipoca amanteigada, cachorro-quente e todos aqueles rolos coloridos de algodão-doce. Havia também cabines de arco e flecha, tiro ao alvo e arremesso de basquete.
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- Primeiro vamos andar, depois comer, que tal? – sugeriu Chay. Finalmente, ele havia se reanimado e retomado seu ânimo habitual de líder de escoteiros.
- A montanha-russa!- exclamei, quase disparando a correr.
- Você gosta?
- Quando eu era criança - disse Arthur, ao meu lado -, eu vivia pedindo para minha mãe colocar uma no quintal lá de casa.
- Esta aqui é pequena, mas a gente dá três voltas completas.
- Talvez essa coubesse no meu antigo quintal - ele falou.
Enquanto isso, os outros dois vinham correndo atrás de nós.
Precisei fazer algumas manobras para que ficássemos nas posições certas: Chay e eu no assento da frente, que é o meu lugar favorito, Arthur e Pérola confortáveis no segundo carrinho.
Arthur nos contou sobre um acidente que aconteceu na montanha-russa do Parque Hershey, que, tenho certeza, ele inventou.
E eu contei a história de um acidente com a montanha-russa do Busch Gardens, que, definitivamente, eu inventei. Continuamos fazendo essas provocações enquanto esperávamos que outras pessoas entrassem nos carrinhos. Pérola ria educadamente.
Então, nossas cabeças caíram para trás e começamos a andar. Ah, não existe nada como uma montanha-russa! A subida lenta, a queda repentina, para cima de novo, então a descida, curva fechada para a esquerda, curva fechada para a direita...
- Sem as mãos! - gritou Arthur, atrás de mim.
Levantei os braços e permaneci assim, tendo a sensação de que iria decolar a qualquer instante.
- Sem os pés! - gritou Arthur, de novo.
- O quê? - Eu me virei para ele rindo. O vento bateu em meus cabelos e a faixa de seda que o prendia escorregou. Arthur pegou-a em pleno ar.
Meu cabelo solto voava para todos os lados como se estivesse dentro de um furacão. Era impossível segurá-lo. Estiquei a mão por cima do ombro para pegar a faixa de cabelo. Arthur se inclinou para a frente, mas nossas mãos mal se tocavam. Virei-me para olhá-lo. Ele estava morrendo de rir do meu cabelo "selvagem". Então passou a sorrir para mim, seus olhos fixos nos meus, brilhantes com o vento. Ficamos assim, nos olhando, por um tempo, os trilhos passando por baixo de nós.
Então os carrinhos foram travados na parada final.
- Fim da viagem - murmurei e pisei sem estabilidade nenhuma na plataforma. Chay me estendeu a mão, e Pérola e Arthur desceram pela rampa de trás. Vi que minha faixa estava presa firmemente nos dedos do Arthur.
- Precisa de um pente? - perguntou Pérola, retirando a faixa dos dedos do Arthur.
- Tenho um, obrigada.
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Meu pente de madeira não conseguiu melhorar muito o desastre. Amarrei a faixa da melhor maneira que pude, amassando o cabelo para baixo.
- Agora, a gente precisa de algo mais calmo - disse Chay.
- A roda-gigante - sugeriu Pérola, e nós andamos para lá.
Quando chegamos na frente da fila, Arthur acelerou o passo e entrou no carrinho junto com o Chay. Pérola e eu ficamos ali paradas nos olhando.
- Ele é meio diferente, não é? - comentou Pérola.
- Arthur? É.
Entramos juntas no carrinho e o funcionário do parque travou a barra de segurança.
- O Luke sabe que o Arthur está interessado em você? – perguntou Pérola.
- Ele não está - repliquei rapidamente. - Bem, pelo menos eu acho que não - acrescentei, percebendo tarde demais que isso tornaria Arthur mais interessante para a minha amiga.
- Você ainda está interessada no Luke?
- Ainda estou esperando pelo primeiro beijo - disse.
- Ah!
Tive a sensação de que Pérola estava se grudando em mim, ainda que estivéssemos sentadas em lados opostos do assento acolchoado com um espaço entre nós suficiente para uma outra pessoa. Andávamos nessa roda-gigante todo ano. Quando éramos crianças, sentávamos perto do centro com as mãos dadas.
- Bem, você sabe Lua, eu estou muito...
- Feliz por mim. Eu sei - quando ela me olhou desapontada, eu acrescentei: - Amigas podem ler os pensamentos. – E então, mudei de assunto e perguntei sobre suas aulas de dança.
Havia um rapaz na turma da Pérola que ela achava bastante interessante. Conforme girávamos o carrinho em círculos, ela me contou sobre ele. Comentou que ficava o tempo todo perto dela. Uma pena que eu não pudesse dar uns conselhos a ele; uma pena que eu não pudesse dizer a ele que saísse primeiro comigo.
Quando descemos, Arthur quis tentar o arremesso de basquete.
- A cesta é pequena - avisei.
- Ah, adoraria ganhar aquele urso! - falou Pérola.
Primeiro, Arthur gastou três fichas tentando, então eu ganhei o urso para ela. Pensei que ele fosse ficar louco por isso, afinal, sabemos como os rapazes são machistas, mas ele apenas sorriu.
- Aqui - disse Chay, jogando umas fichas na minha mão. - Mais três fichas. Veja se consegue ganhar um para Sophia e o bebê dela.
Olhei para ele, emocionada pela sua atenção.
Ganhei na segunda tentativa, e ele escolheu um animal de pelúcia: um urso panda de rosto redondo segurando carinhosamente um bebê panda.
Depois que colocamos os bichinhos de pelúcia dentro do carro, Chay disse que queria experimentar a casa mal-assombrada. Naquele parque, ela era um dos lugares mais nojentos que eu já tinha visto. Bonecos de borracha espirrando sangue artificial, lobos sanguinários com olhos vermelhos feitos com luzes pisca-pisca de Natal e uma trilha sonora horrível. O legal é que não havia carrinhos, a gente andava pelo lugar. E, às vezes, eles colocavam algumas pessoas vestidas como fantasmas para assustar. As salas escuras - onde não havia nada, mas você sempre pensava que haveria – eram provavelmente a única parte realmente aterrorizante. Algumas pessoas sempre tinham dificuldade para achar a saída.
Depois que passamos os lobos, o cemitério e a sala dos fantasmas que flutuavam com o vento de pequenos ventiladores, ficamos numa fila e, então, depois de atravessar uma porta, mergulhamos na escuridão. Começamos a tropeçar pelos cantos, tentando nos achar. Eu segurei uma mão bem grande, do Chay, esperava! Depois apertei a mão de Arthur. Tinha certeza de que era a mão dele. Não sei como, mas tinha certeza.
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Então, alguém que estava escondido no escuro veio grunhindo e correndo em nossa direção, dispersando o grupo. Fiquei um pouco perdida, mas já tinha estado naquele lugar antes para ter idéia de onde era a saída. Ao me aproximar da porta, senti que Arthur estava em pé perto de mim. E estava muito perto. Pude sentir o seu cheiro.
- Lua - ele sussurrou.
- Desculpe, não... - sussurrei de volta, tentando disfarçar minha voz.
Ele riu baixinho
- Acho que a porta fica nessa direção - e ele pegou a minha mão.
Talvez devêssemos ter chamado os outros, mas não chamamos. A sala seguinte era tão escura quanto a anterior. Arthur e eu nos agarramos e seguimos tateando as paredes para encontrar a saída. Toquei algo macio, mas não me lembrava de ter sentido nenhuma cortina ali nas minhas visitas anteriores. Então um fantasma saltou e eu gritei. Arthur agarrou a minha mão e me puxou para perto dele.
Acho que nada anima mais uma casa mal-assombrada do que gritos de verdade. O fantasma puxou o meu cabelo e encostou seus dedos gelados na minha nuca. Na mesma hora, abafei meu berro no peito do Arthur. Seus braços me envolveram. Ele me segurou tão próximo do seu corpo que pude sentir a vibração da sua respiração no meu rosto. Podia sentir os seus joelhos e suas coxas encostarem nas minhas pernas. Senti o calor que vinha de todo o seu corpo.
E, pela primeira vez depois de vários anos, eu me lembrei do monstro quente e ofegante que eu toquei curiosamente com os dedos, naquela sala escura da casa mal-assombrada. Pude entender agora o que não consegui compreender naquela época, quando tinha apenas 7 anos: o monstro era um casal se agarrando! Eu me desvencilhei de Arthur e quase cai dentro da câmara dos horrores.
Foi um alívio entrar naquela sala mal-iluminada. Pelo menos ali não seria um problema se eu estivesse com o rosto vermelho, pois a luz vermelha do lugar fazia com que todos ficassem da mesma cor. Olhei para o Arthur, e me virei rapidamente para as cenas de horror: um soldado sendo esticado por uma máquina de tortura, uma mulher ao lado de uma guilhotina segurando a própria cabeça e um cara deitado em uma cama de pregos. Olhei fixamente para a cama de plástico como se estivesse fascinada por aquilo. Arthur chegou por trás de mim e ficou parado bem perto. Movi meu corpo ligeiramente para o lado.
Então, ouvi a voz de Pérola.
- Eu disse para você que sabia o caminho, Chay.
Arthur e eu nos viramos.
- Oi, gente - Chay nos cumprimentou.
- Mas você não acreditou em mim - continuou Pérola. – A gente podia ter ficado lá para o resto da vida!
Chay riu, sacudindo os ombros.
- Gostaria de trazer as nossas crianças aqui - ele disse para mim e para Arthur. - Seria muito assustador para eles.
- Você não escutaram alguém gritando de verdade? – perguntou Pérola em meio a risadinhas.
- Fui eu - admiti.
Ela me olhou surpresa.
- Você? Lua, você nunca foi de gritar!
enti minhas bochechas ficarem quentes.
- Talvez só agora ela tenha sentido medo de alguma coisa - disse Arthur, enquanto me observava.
Nesse momento, como várias pessoas começaram a entrar na câmara dos horrores, andamos em direção à saída. Passamos por uma sala com teias de aranha e finalmente saímos da casa mal-assombrada.
Nos dois passeios seguintes, me sentei perto de Chay. Mas não foram necessárias muitas manobras. De qualquer modo, Pérola tinha chegado à conclusão de que Arthur era intrigante. Na maioria das vezes, ela direcionava os seus comentários para ele, e Arthur a escutava da maneira de sempre: sorrindo o tempo todo e soltando algumas gargalhadas. Na volta para casa, eu fiquei no banco de trás, ao lado de CHay. Quando paramos em frente da casa de Pérola, falei para o Arthur:
- Por que não acompanha a Pérola até a porta?
Ele me deu uma olhada feroz pelo retrovisor. Só conseguia ver os seus olhos escuros.
- Claro.
O caminho até a porta da casa de Pérola era ladeado por arbustos e um grande loureiro protegia a entrada. Só era possível enxergar uma luz que vinha da lâmpada no teto e diversas folhas da árvore. Não que eu estivesse tentando ver alguma coisa além disso!
- Lua? - falou Chay, tocando o meu braço.
- O quê? - disse, desviando o olhar dos arbustos.
- Queria saber se você acha... bem, queria ter certeza de que Sophia vai gostar de ganhar a mamãe ursa com o bebê.
Foi possível identificar a preocupação em sua voz.
- Não sei a história toda - continuou Chay - e não estou pedindo que você me conte nada, mas pelo que pude perceber, ela não estava pulando de alegria por estar grávida.
- Você tem toda razão - disse, enquanto meus olhos caminhavam na direção dos arbustos e da luz que vinha do alto.
- Acho que deve estar sendo um momento difícil para ela e não queria torná-lo pior.
Tive que me esforçar para olhar novamente para Chay:
- Acho muito legal da sua parte se preocupar com a Sophia, enquanto estamos aqui nos divertindo. E a verdade é que, hoje em dia, é impossível saber o que vai deixá-la feliz. Então, a única coisa que podemos fazer é algo legal assim... e desejar que as coisas melhorem para ela.
Chay concordou com a cabeça.
- Ela ainda gosta dele - eu disse. - As pessoas ficam malucas quando se apaixonam.
- Acontece com todos nós - Chay retrucou com um suspiro. - Às vezes, quando menos esperamos.
Dei uma espiada no relógio e olhei de volta para a porta. Eu já teria ido e voltado com Pérola umas quatro vezes nesse tempo que ela e Arthur estavam gastando. Será que ela estava usando o velho truque da chave perdida, ou era ele que não conseguia dizer adeus? Depois de uma noite com alguns olhares rápidos e umas poucas palavras, enquanto eles ainda se conheciam melhor, a faísca podia ter se acendido durante os dois últimos brinquedos.
Encostei os meus pés nas costas do banco da frente e comecei a mexer com a fivela do meu cinto de segurança. Fechei os olhos e tentei me lembrar do rosto de Luke. Mas toda vez que fazia isso, ele estava com os olhos fechados, usando o vestido da Bela Adormecida da Disney. Apertei mais os olhos e tentei imaginá-lo me dando um longo e carinhoso beijo de boa-noite - da mesma maneira que Arthur, provavelmente, estaria beijando a Pérola naquele momento.
Ainda estava de olhos fechados quando Arthur abriu a porta do carro. Ele entrou e se virou para ver como eu e o Chay estávamos. Não conseguia pensar em nada para dizer; aparentemente, nem ele. E Chay estava em outro planeta. Fomos para casa em silêncio. Chegando em casa, Chay me acompanhou até a porta, olhou para a única luz que vinha de uma janela no segundo andar e, então, colocou a mamãe ursa na minha mão. Ele foi embora, esquecendo de dizer boa-noite.
"Talvez eu tenha pego isso do Chay", pensei enquanto abria a porta. "Ou quem sabe da Sophia?” Alguma coisa estava acontecendo e eu não estava gostando nem um pouco. Era uma pequena e estranha dor no coração.
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- Eugene, por favor, tire o garfo do cabelo da April e jogue-o no lixo - falei, no almoço do dia seguinte.
- Por quê? - perguntou ele.
- Porque ele vai ficar preso nas fivelinhas dela.
- As pessoas não param de criticar - sussurrou Arthur. - Acho que ficou legal.
- Ahã - tentei sair andando, mas Arthur me pegou pelo braço. Ele e eu tivéramos pouco tempo para conversar naquele dia. De caso pensado, tinha chegado mais cedo, separado o equipamento que precisava e saído do escritório antes que ele aparecesse. E estava evitando o Chay também. Nunca fui muito boa para mentir encarando uma pessoa, mesmo quando isso era a coisa mais educada a ser feita. Assim, deixei um bilhete para ele dizendo quanto Sophia tinha gostado dos ursinhos.
A verdade é que Sophia havia olhado para os ursos como se eu tivesse levado um par de ETs para casa. E, logo em seguida, ela os enfiara na sua prateleira mais alta, onde os antigos livros de cultura africana estavam acumulando poeira. Ela me esperou acordada na noite anterior, de modo que pudesse me entregar o seu relatório telefônico.
- Você tem três mensagens - ela anunciou assim que pisei no quarto.
Depois de ter escutado duas garotas desesperadas por Arthur, eu resolvi desligar a secretária.
Mas Sophia ligou-a novamente. Havia uma mensagem de Luke. Ele estava triste pela segunda-feira. E queria saber se eu estaria livre no sábado à noite, se eu gostava de shows de humor. Ele gostava.
"Que tal um jantar e um show de humor logo em seguida?" E deixou um telefone para contato.
- É o que você estava esperando, não é?
- É - eu disse. - Claro. Não é?
- E então... - Arthur falava para mim agora, sua mão em meu braço, me puxando de volta para o presente -, você tem planos para esse fim de semana?
- Ahã, tenho. Mesa quatro, peguem a esponja. Vocês derramaram açúcar suficiente para atrair um batalhão de moscas.
- Com o Luke? – perguntou Arthur.
- Ovos Mexidos - eu disse, de tão acostumada que estava a corrigi-lo.
Ele riu:
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Ele riu:
- Deixa pra lá. Eu tenho uma idéia - contou. – E se a gente fizesse um encontro duplo? Você e Luke, eu e Pérola.
Cravei os olhos nele.
- Era só uma idéia - ele falou.
- Acho que você não entendeu - retruquei. - O motivo de eu querer encontrar o par perfeito para a Pérola é justamente mantê-la afastada do cara com quem eu estou saindo.
- Acho que é você que não entendeu - retrucou Arthur. - Luke e Pérola nunca conseguirão ficar juntos. Ambos são muito egocêntricos para ficarem mais do que um dia ou dois juntos. Pense sobre isso, Lua. Se os dois querem ser o centro das atenções, quem é que vai dar o braço a torcer?
- Você nem conhece o Luke - falei irritada.
- Conheço o tipo dele.
- Ele não quer ser o centro das atenções - insisti. - Ele não fica atrás disso. Só se acostumou com essa situação. Se você tivesse o corpo dele, também teria se acostumado.
Arthur permaneceu em silêncio por um instante.
- Provavelmente - ele disse,comum meio sorriso. - Tá bom... Qual é o telefone da Pérola? – E me entregou uma caneta e um pedaço de papel.
- Eugene - ele chamou -, tire o garfo do cabelo da Janet. Combina perfeitamente com o vestido dela, mas ela não gostou.
Escrevi o número de telefone no papel e passei para Arthur.
- Divirta-se com o Luke - disse ele, olhando dentro dos meus olhos e me segurando por um momento.
- Obrigada - retruquei, me desvencilhando dele.
Quer dizer, um encontro de verdade com Luke Hartly. Era o que eu estava esperando, não era?
- O que você está esperando? - perguntou o comediante com uma voz exagerada e Luke desatou a rir.
Eu estava esperando um beijo dele. Sabia que um beijo longo e gostoso mudaria tudo. Acreditava nisso do mesmo modo que, na segunda-feira passada, havia acreditado que ficar a sós com ele mudaria tudo.
Um pouco mais cedo, tínhamos jantado sozinhos em uma aconchegante mesa para dois. Uma pena que aquele restaurante natural tivesse um cheiro tão estranho. Enquanto Luke me contava sobre o treinamento da última semana e o da próxima - todos eles parecendo a mesma coisa para mim -, eu fitava fileiras e mais fileiras de frascos marrons de vitaminas. Resolvi cutucar algumas couves-de-bruxelas que se escondiam embaixo de um tapete de alface orgânica e pareciam estar se reproduzindo ali. Daria qualquer coisa por um sanduíche.
- Achei que você iria gostar desse lugar - disse Luke. - Você é praticamente uma atleta.
- Eu sou uma atleta - respondi.
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- Eu sou uma atleta - respondi.
Acho que ele mal me escutou porque, uma hora depois,estava rindo exageradamente das piadas sobre mulheres esportistas que o comediante contava. Mas não riu tanto durante a apresentação seguinte: uma mulher usando botas e uma saia de oncinha que falava algumas coisas interessantes sobre os homens. Enquanto isso, eu me entupia de amendoins e pedaços de queijo, ávida por alguma coisa muito salgada e com alto teor de gordura. Depois, ele me levou para casa.
- Eu me diverti muito - disse Luke,enquanto me acompanhava até a porta. Tive vontade de olhar o relógio para ver se conseguiria fazer uma despedida tão longa quanto aquela da Pérola e do Arthur.
- Gosto muito de conversar com você, Lua - Luke continuou, seus olhos verdes brilhando.
Eu sorri e esperei.
- Sabe... você é tão bonita - ele acrescentou timidamente.
- Obrigada, Luke - comecei a me derreter.
Então, ele me puxou para perto.
- Lua - sussurrou.
"Isso mesmo, isso mesmo", pensei, "o beijo!"
E, então, um pensamento me passou pela cabeça: ele tem um cheiro estranho. Talvez tenha sido uma mistura do restaurante natural com a loção pós-barba, eu não sei, mas algo estava errado. De repente, os lábios dele tocaram os meus. Suas mãos fortes agarraram os meus braços - como se agarrassem os arreios de um cavalo. Eu já estava esperando que ele começasse a saltar a qualquer momento. Mas ele continuou firme e pressionou sua boca contra a minha, num beijo longo, extremamente longo. Foi como beijar uma boneca de plástico: eu e Pérola já havíamos feito muito isso quando tínhamos 12 anos.
- Bem, obrigada - disse, dando um passo para trás.
- Quer fazer alguma coisa no próximo sábado? – perguntou ele, um pouco sem fôlego. - Podemos ir ao restaurante natural novamente. E por que você não vai me ver no ginásio esta semana?
Eu assenti com a cabeça, sem muito entusiasmo.
- Eu te ligo.
- Agora,você não vai ter muitas chances, Steve - disse no domingo à noite. - É mesmo. Uma pena. Tchau.
Desliguei o telefone sem fio e recostei na cadeira da varanda.
- Abra os olhos, Steve - murmurei. - Olhe para o seu vizinho - mas nem eu tinha imaginado que o par perfeito seria tão perfeito.
Telefonei para Pérola no sábado à tarde, querendo saber se o Arthur já a havia convidado para sair, crente de que ela ficaria retraída em aceitar o convite dele. Mas ela já estava com ele!
Eu esperava encontrar uma mensagem dela quando voltei para casa no sábado à noite. Não havia mensagem alguma.
Provavelmente porque eles ficaram fora até depois da meia-noite - a mãe dela havia me dito isso quando telefonei no domingo, na hora do almoço. Pérola teria me contado isso pessoalmente, mas ela já tinha saído de novo com Arthur. Sua mãe me disse que pediria para a filha me retomar a ligação assim que ela voltasse para casa.
Agora, estava sentada com o telefone em meu colo, observando os vaga-lumes voarem sobre a grama escura. Este era um recorde absoluto para a Pérola. Ela nunca ficara tanto tempo com o mesmo cara, especialmente um que não havia saído comigo antes. O que eles estariam fazendo? Olhei para o céu estrelado, sentindo novamente aquela pequena e estranha dor no coração. Talvez estivessem olhando os vaga-lumes, fazendo pedidos para alguma estrela.
Eu já nem sabia mais quais eram os meus desejos.
Exceto que eu queria que Sophia tivesse viajado com meus pais para a conferência deles de uma semana. Os dois haviam me deixado com uma lista de telefones de emergência - médicos, vizinhos, parentes, o hotel deles, o centro de conferências -, como se eu fosse a babá dela ou coisa parecida. É verdade que, durante a última conferência de literatura de que haviam participado, minha irmã conseguiu pôr fogo na cortina da cozinha e ficou ligando desesperada para a emergência. Mas Sophia já era quase uma mãe e eu estava cansada de ser responsável por ela.
Tinha comentado isso na noite anterior e ela não estava falando comigo desde então. Talvez ficássemos a semana inteira sem nos falar. A minha sensação era de alguém que havia brigado com o mundo inteiro.
Ouvi o barulho de uma cadeira rangendo.
- Você continua suspirando - comentou Sophia.
Virei ligeiramente a minha cabeça.
- Só estou respirando. Se incomoda, vá se sentar em outro lugar.
- Como é que foi ontem à noite? - ela perguntou, puxando a sua cadeira para perto.
- Bom.
- Apenas bom?
- Bom não é o suficiente? - retruquei asperamente.
- Sabe, eu assei uma forma de brownies para a feira beneficente da igreja - era comum para Sophia pular de um assunto para outro.
- Que bom. As pessoas compraram?
- Você comeu todos eles, Lua. Ontem à noite, quando chegou em casa.
- Ai, Meu Deus! Desculpe... eu vou fazer uma doação.
- Uma orgia de chocolates e suspiros – ela falou. - Eu diria que você não está bem.
- Você não sabe do que está falando.
Sophia recostou-se na cadeira, alongando os pés descalços. Ela tentava disfarçar, mas já tinha adotado aquela rotina de "mãos descansando-sobre-a-barriga".
- Eu comi um pacote gigante de caramelos depois do meu primeiro encontro com Sam – ela me contou.
- Bem, não tire nenhuma conclusão, Sophia. Não estou apaixonada pelo Luke.
- Luke? Ah, eu não pensei que você estivesse apaixonada por ele - retrucou. - Com certeza, minha irmã gostaria de algo melhor que aquilo!
Olhei para o lado. Sophia estava com aquela expressão de "sei de tudo", e eu com medo de que ela realmente soubesse da verdade que eu mal podia admitir para mim mesma.
Ela sorriu.
- Eu só não sabia quando é que você iria sacar que estava a fim de outro cara.
- Obviamente que tarde demais - suspirei.
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- Eles estão chegando na base. Estão chegando na base, na base! Vamos, Miguel! - gritei.
Miguel se inclinava para trás e dava tudo o que podia. Todos os outros jogadores do nosso jogo do meio-dia eram imaginários.
- Fora! Cuidado com Ken Griffey Júnior - eu disse. – Nós temos um jogador de primeira linha bem aqui.
O rosto de Miguel brilhava. Todo o dinheiro que eu havia gastado com aquela pequena luva de canhoto tinha valido a pena. Depois de conversar com Chay e Anna sobre a situação, comprei a luva e levei Miguel para lançar algumas bolas no campo durante o intervalo de almoço da segunda-feira. Esperava aumentar a confiança dele, encorajando-o a explorar os seus talentos. Isso tornaria todo o resto mais simples para ele.
Jogamos intensamente por trinta e cinco minutos. Olhei para o céu que ficava cada vez mais escuro, e acenei para ele. O vento estava aumentando e havia apenas um pedacinho de azul à esquerda.
- Por favor - implorou Miguel -, mais uma bola.
Lancei a bola e o observei correr ao longo do campo. Era rápido como um gato. Nunca tinha visto uma criança com tanta agilidade.
- Por favor, tia Lua, só mais uma bola - ele me pediu novamente.
Eu balancei a cabeça:
- Prometi ao chefão que você iria almoçar.
Ele permaneceu no meio do campo por um momento, as pernas curtas plantadas firmemente no chão, esmurrando a luva com o punho - o primeiro sinal de resistência que eu havia visto em Miguel.
- Vamos, menino. Vai começar a chover.
Ele veio andando relutante. Abri a sacola com os sanduíches, e os guardanapos começaram a voar na nossa frente. Miguel se sentou perto de mim na arquibancada, devorando o pão até que sobrasse apenas a casca. Ele a colocava de lado e pegava outro sanduíche.
- Sabe, Miguel, pode ser mais fácil comer se você tirar a luva.
Ele me olhou, os olhos escuros procurando os meus para saber se eu estava falando sério, então, sorriu e continuou com a luva.
- Como é que você não fica irritada comigo quando eu faço alguma trapalhada? - ele perguntou com a boca cheia.
- Irritada? Por que eu ficaria? - repliquei. - Eu me atrapalho o tempo todo. Ninguém quer, mas todo mundo se atrapalha.
- José não - disse Miguel firmemente.
- Quem é José?
- O namorado - falou.
- Da sua mãe?
Miguel fez que sim com a cabeça.
- Você gosta do José? - perguntei.
Miguel desviou o olhar.
- Ahã.
Não acreditei nele:
- Ele mora com vocês?
- Às vezes. Onde é que você mora? Você tem um quintal?
- A uns seis quilômetros daqui. Tenho, eu tenho um quintal.
- Você mora perto do tio Arthur? - ele quis saber.
- O tio Arthur mora perto do clube de golfe, onde nós vamos nadar.
Ele lambeu a pasta de amendoim de seus dedos.
- Eu queria poder morar com o tio Arthur.
- Você gostaria de poder jogar golfe?- brinquei com ele.
- Ele é legal - Miguel disse casualmente.
Concordei e fiquei desejando que nós não tivéssemos que conversar muito sobre o Arthur. Já tinha pensado muito nele no dia anterior e tentei evitá-lo naquela manhã. E Miguel havia me proporcionado uma boa desculpa para não almoçar com ele e Anna.
- Ele diz coisas legais.
- É mesmo - concordei de novo.
- Às vezes, ele toca violão pra gente. E conta histórias, várias histórias sobre mágicas. Eu acho que ele acredita nisso. Acho mesmo. Você acredita?
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- Às vezes, ele toca violão pra gente. E conta histórias, várias histórias sobre mágicas. Eu acho que ele acredita nisso. Acho mesmo. Você acredita?
- Costumava acreditar - disse, enfiando o meu sanduíche de volta na sacola.
- Você não está com fome? - perguntou.
- Acho que não. Comi um monte de brownies no fim de semana - contei a ele.
- É? Tem algum aqui? - ele enfiou a mão dentro da sacola de papel.
- Só biscoitos.
- Tá bom - o garoto sorriu e levantou seu braço de repente, apontando com a sacola ainda em suas mãos. - Ei, olha lá o tio Arthur.
Olhei rapidamente sobre o meu ombro.
- Quem é? - perguntou Miguel. - Quem é aquela garota com ele?
- Uma amiga do tio Arthur. O nome dela é Pérola.
Por que eu não disse que era uma amiga minha também?
Miguel e eu observamos os dois percorrerem o caminho que circundava o campo. Não tinha certeza se haviam nos visto. Provavelmente estavam muito concentrados um com o outro.
- Ela é namorada dele?
- Parece que sim - disse.
- Ei, tio Ar...
- Shhh! Não o chame. O tio Arthur está conversando com a amiga dele.
"E se ele beijasse a amiga dele?", pensei. Seria bom para Arthur se as crianças da segunda série parassem de fazer desenhos da monitora maluca de cabelos loiros e começassem a desenhá-lo ao lado de uma morena. Pérola e Arthur desapareceram atrás de uma árvore - "Meu Deus, eles gastam bastante tempo atrás de árvores e arbustos", pensei -, mas o caminho realmente seguia naquela direção para se chegar ao prédio em que Pérola tinha aulas de dança. Alguns minutos depois, Arthur reapareceu, sem a Pérola, andando sozinho em nossa direção.
- Ei, tio Arthur! Ei, olha aqui! Olha o que a tia Lua me deu.
Miguel correu para encontrá-lo. Eu fiquei onde estava. O rosto de Arthur se iluminou com um grande sorriso. Ele se curvou para falar com Miguel e examinar a luva. Ela não cabia na mão de Arthur, mas ele a prendeu com os dedos e fingiu que estava agarrando uma bola. Miguel o imitava. Então Arthur olhou para cima como se estivesse tentando pegar uma bola bem alta. Ele começou a esticar os braços, dizendo:
- Eu peguei! Eu peguei! Eu peguei! Eu não peguei...
Miguel caiu na grama de tanto rir.
Arthur o puxou do chão, então colocou a mão sobre o ombro do garoto. Senti uma ponta de inveja: queria ser alguém que pudesse rir com Arthur, alguém que ele quisesse alcançar e tocar carinhosamente. Foi como ter visto ele junto da Anna, aquele ciúme idiota que senti quando vi a intimidade com que se tratavam.
- Se segura, Lua - eu murmurei para mim mesma.
Arthur colocou a luva na cabeça de Miguel, então olhou para mim, sorrindo. Olhei rapidamente para ele com um sorrisinho, me levantei e comecei a pegar as coisas do almoço.
- Oi, Lua.
- Oi, Arthur.
- Parece que vocês dois andaram se divertindo.
- É mesmo - disse, evitando olhá-lo de frente. – Miguel é um astro. Espero que ele se lembre da gente quando ficar famoso.
Miguel sorriu.
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- Como está a Pérola?- perguntei.
- Pérola?
- Sua namorada – disse Miguel.
Arthur deu uma piscada.
- Ah, certo. Sentimos sua falta durante o almoço. - "Com certeza", eu pensei e olhei para o céu. A chuva chegaria tarde demais.
- Acho que você já deve saber que saí com ela no fim de semana - continuou Arthur.
"E saiu, e saiu de novo e saiu mais uma vez", eu pensei.
- Ahã. A mãe dela me contou - disse. Começamos a andar juntos para o centro acadêmico. - Isso é ótimo. Realmente ótimo.
- Como foi o seu final de semana? - perguntou Arthur.
- Ah, foi ótimo também.
- Ela comeu um monte de brownies - entregou Miguel. Arthur riu:
- Ovos Mexidos gosta de brownies?
- Não, eu gosto - respondi secamente.
Arthur inclinou-se um pouco para a frente, como se tentasse ler o meu rosto. Tentou fazer com que eu o olhasse de volta, tentou fazer que nossos olhares se cruzassem.
- Se a gente não se apressar- falei -, vamos ficar encharcados.
"Por favor, chova, por favor, comece a chover agora." Alguém devia estar me escutando. Um relâmpago tomou o céu. Agarrei a mão de Miguel. Ele gritava como um porquinho, e nós corremos para o centro acadêmico. Miguel e eu não paramos até chegarmos perto das crianças que saíam da lanchonete. Eugene puxou o meu cabelo molhado. Janet quis saber por onde eu tinha andado. Estava feliz por estar entre as crianças, que não paravam de rir e conversar. E, além disso, eu me sentia aliviada por elas estarem aglomeradas ao meu redor, protegendo-me dos olhares questionadores de Arthur.
À noite ainda continuava chovendo. Era possível ouvir as gotas no telhado e o barulho de uma velha calha solta que não parava de sacudir. Sophia e eu estávamos sentadas no sofá assistindo a um dos seriados de TV mais idiotas que eu já vi. "É assim que vamos terminar", pensei, "Sophia e eu, duas irmãs solteiras vivendo juntas, assistindo a seriados estúpidos, cuidando do Camarada."
- Devo assar uns brownies?- perguntou Sophia.
Continua.....
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