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sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A Família Aguiar Cap. 6





— Lua?
Ouviu Arthur chamar, como se a voz dele emergisse de um nevoeiro. Então, revirou-se no sofá, tomando consciência de que havia apagado.
— Acabei.
Lua sentou-se e apertou os olhos, forçando sua mente a acompanhar o corpo.
— Acabou o quê?
— O quarto de Miguel.
O cérebro dela, finalmente, pegou no tranco. Arthur trabalhara o final de semana inteiro no quarto do bebê. Continuou fazendo compras, cuidando para que os móveis fossem entregues, transportando ele mesmo os itens menores e também dando os toques finais do que Lua ainda estava para ver.
Queria fazer uma surpresa para Miguel e isso significava surpreendê-la também.
Lua espiou o relógio. Eram mais de 10 horas da noite de domingo.
— Coloquei Miguel para dormir há uma hora. Chester foi com ele.
— Oh. — Desapontado, Arthur sentou-se no sofá ao lado dela. — Não percebi que já era tão tarde. Perdi completamente a noção do tempo.

— Eu posso acordá-lo.
— Não, tudo bem. — Ele se virou para admirá-la, a ansiedade reluzindo em seus olhos. — Você quer ir ver?
— Você está brincando? Eu me controlei o máximo para não dar uma espiada sem que você notasse. Estou morrendo de vontade de ver isso. — Lua  se colocara atrás da porta durante dias, ouvindo o barulho que vinha do quarto, o arrastar dos pés dele, ás pancadas do martelo.
— Na verdade, ficou muito bom.
Arthur deu um pulo do sofá e Lua o seguiu até o quarto. Chegando lá, ficou completamente paralisada.
— Oh, Arthur.
" Bom" não servia sequer para começar a descrever o que ele havia feito.
Arthur decorou cada canto, cada fenda, cada milímetro de espaço disponível. O abajur na penteadeira projetava as silhuetas de cowboys, figuras que combinavam com os entalhes do berço. Havia um sofá feito sob medida para crianças, guarnecido com almofadas aconchegantes, e ainda um baú, abarrotado de carrinhos, caminhões e simpáticos bichinhos da fazenda.
Aquelas figuras nas paredes!

— Você os encontrou. — Os cavalinhos de carrossel dos quais conversaram. Pôneis pintados, com crinas que flutuavam e cascos dançarinos.
— Quase desisti. Então, fiz uma busca na Internet. - E, provavelmente, gastara uma fortuna para que tudo lhe fosse enviado de navio, da noite para o dia.
— Ficou lindo, cada detalhe.
As prateleiras de carvalho entalhadas que ele acrescentou; o recosto de couro; as cortinas com estamparia de bezerros; as botas de cowboys antigas que ele pregou em volta da moldura da porta; o filtro dos sonhos, coberto pela renda caprichosa, as penas e contas oscilando sobre o berço.
O cavalo de balanço, reparou Lua, adquirira um parceiro. Um pônei de madeira, menor e mais simples, que Miguel poderia alcançar sozinho.
— Poderá levar tudo isso com você — garantiu Arthur. — Exceto as cortinas, eu acho. A não ser que se enquadrem em sua próxima janela.
Lua não queria pensar em partir. Desejava focalizar seu pensamento no simples fato de estar ali, na casa de Arthur.

— Miguel vai ficar maravilhado.
— Espero que sim. — Arthur enganchou os polegares nos bolsos, uma postura muito mais casual do que suas emoções permitiam. — Não quero que ele se sinta como um menino de segunda mão. Não agora. E, certamente, nem mais tarde.
Mais uma vez, Lua lutava contra o futuro, a dura realidade que a aguardava: ter que criar Miguel sozinha.
— "Mais tarde" pode demorar a chegar.
— Talvez não demore tanto.
— Ele ainda é um bebê.
— Logo Miguel aprenderá a andar. E depois a falar. Então, começará a pensar a respeito do pai dele. Sobre mim.
— Sim, você. — O pai do bebê que morreu. A criança cujo coração não bateu. Sem pulso.
— Como vai ser quando Miguel for grande o bastante para compreender a verdade? Você vai contar a ele sobre seus verdadeiros pais?
— Mica e Sophia não querem que ele saiba. A não ser que se torne estritamente necessário. No caso dele precisar de uma cirurgia de emergência, ou se você decidir que não consegue lidar...
— Vamos nos preocupar com isso quando chegar a hora. Mas eu pretendo enviar dinheiro quando você precisar. Assim que você conseguir se instalar.
Deus me perdoe, disse para si mesma. Por não contar nada sobre o filho dele.
— Dinheiro não é o problema, Arthur.
— Eu sei.
Mas era importante para ele, imaginou Lua. O bem-estar de Miguel era importante.
— Ele vai respeitar você.
O pônei parou de balançar.
— Como ele poderá me respeitar, se não estarei por perto?
— Então contarei a verdade. Não vou deixar que ele pense mal de você.
Arthur ficou carrancudo.

— Meu pai era um bastardo. Seu pai era um bastardo. E o pai de Micael também. Todos nós temos essa marca.
Imagens da infância emergiram na mente de Lua. Seu pai berrando com o enteado delinqüente; o irmão batendo a porta; sua mãe fumando um cigarro atrás do outro em frente à TV; Lua correndo em volta da cozinha como um rato, lavando os pratos e rezando para não quebrar nenhum.
— Acho que foi pior para você — disse Arthur. — Micael mal se lembra do pai verdadeiro, e eu nunca conheci o meu. Mas você ainda tentava agradar o seu.
— Fiquei feliz quando ele nos deixou. Vai ser diferente com Miguel. Já é diferente.
— Eu não quis trazer todo esse lixo de volta para aborrecer você.
— Não estou aborrecida. Como poderia estar? — Lua levantou o véu negro e triste que pendia sobre seu coração. Empenhara noites demais num duelo contra o passado, muitas noites longas e intermináveis imaginando por que o pai fora tão cruel e exigente, por que a mãe tomava o partido dele, por que o irmão se metera com a Máfia, por que o bebê ao qual dera à luz falecera.
— Olhe bem para este quarto. Veja a mágica que você criou. — Lua recuou um passo para abraçá-lo. — É incrível.
Arthur aceitou o abraço. E, subitamente, tudo mudou.

O calor surgiu em ondas na barriga dela. Arthur passou as mãos pelas costas de Lua e pressionou o corpo junto ao seu.
Lua se apoiou nos seus ombros; Arthur se aninhou no pescoço dela.
Uma coleção de lembranças eclodia na sua mente — a primeira vez que fizeram amor. A primeira vez que ele desabotoou sua blusa, abriu sutiã, abaixou o zíper do jeans, deslizou a mão para dentro da sua calcinha.
Lua inclinou a cabeça para trás.
— Eu queria...
— Eu também. — Arthur acariciou sua pele com os lábios.
Sem poder se controlar, Lua roçou o corpo no dele. Arthur parecia mais forte, um pouco mais maduro, mais intenso. Lua podia sentir os feixes de músculos sob seus dedos.
— Me conta do que você sentiu mais falta — sussurrou Arthur.
— Eu...
— Me conta.
De olhos fechados, Lua lutava contra uma onda de tontura.
— Suas mãos. Sua boca. — Arthur lambia a concha da sua orelha, e os joelhos de Lua enfraqueceram. — Sua língua.
— Preliminares — ele murmurou.
— Sim. — E também sentiu falta de estar apaixonada, pensou. De se deixar enfeitiçar por ele. E de sonhar que foram feitos um para o outro.
Arthur aproximou o seu rosto do dela. E por um momento, um momento silencioso e decisivo, nem ao menos se moveu.
Então a beijou.
Tão forte, tão áspero, tão desesperadamente que Lua sentiu como se estivesse montada sobre ele, devorando-o centímetro por centímetro.
Arthur passou as mãos pelos cabelos dela, enrolando mechas em torno dos dedos, torcendo e girando, puxando com força sua cabeça para trás mais um pouco.

— Ficar dentro de você me fez falta. O calor. A umidade. Sentir você quente, lisa...
Lua sentiu o ritmo do coração dele esmurrar contra o peito, o fluxo da excitação masculina. Arthur sentia a falta do orgasmo, a liberação final, a onda do seu corpo transbordando dentro dela.
— Venha para o meu quarto. — Ele a beijou novamente. — Fique comigo.
Lua queria isso, mais do que qualquer outra coisa.
— Por quanto tempo?
— Eu não sei. Não consigo pensar nisso. Não agora. — Arthur segurou Lua, gentilmente, reverentemente. — Eu não posso prometer nada. Nunca pude.
Essa confissão apunhalou o coração de Lua, mas o toque dele, as mãos quentes, ágeis, desmentiam aquelas palavras.
— Você me deixa confusa.
— Preciso de você Lua.
— Eu preciso de você também. Então me ajude, porque eu preciso de você.
Aquilo foi tudo que faltava. Arthur aconchegou Lua nos braços e a carregou até o seu quarto. Ele pousou Lua sobre a cama e se juntou a ela. Ela olhou dentro dos olhos de Arthur, percebendo a estupefação, o desejo obscuro, o poder que exercia sobre ela.
Isto era perigoso, pensou Lua. Deixar que ele tivesse o que queria. Deixar que ele...
Enquanto Arthur se ocupava da blusa de Lua, sua voz soava rouca, agarrando-se em cada sílaba.

— Lua. Doce, sexy...
Arthur. O seu Arthur.
— Não pare — pedia ela. — Não agora. Não pare nunca.
— Eu não vou parar. — Arthur desprendeu o terceiro botão, xingando e se atrapalhando todo com o seguinte.
Lua arrancou a camisa dele, livrando as pontas presas nas calças. Rolaram na cama, tateando, agarrando, arrancando as roupas e atirando-as no chão.
A carne de Arthur era quente e rígida, gloriosamente máscula. Mas não permitiu que Lua o tocasse, não perto o bastante.
Em vez disso, empurrou a garota na cama, afastou seus quadris e abaixou a cabeça.
Para deixá-la maluca. Para levá-la à loucura.
Abrindo as pernas de Lua sobre os seus ombros, Arthur a puxou para junto dele, usando a boca, a língua, uma mordiscada hábil.
Ela arqueava. Ela se contorcia. Ela queimava.
Arthur sabia o que fazer com ela; sabia que isso tirava Lua do sério; sabia que os seus préstimos faziam Lua desejá-lo ardentemente.
Inteiro. Profundamente dentro dela.
— Eu quero você. — Tentou desviar Arthur, mas ele resistiu.
— Ainda não.

Arthur continuou lambendo, saboreando, estimulando-a sem parar.
Até que Lua explodiu. Ela gritou seu nome e cravou as unhas nas suas costas.
Arthur a queria assim, exatamente desse jeito, se contorcendo enlouquecidamente diante dele. Seus cabelos derramados por todos os lugares, pelos braços, sobre os seios, pela cama.
Ele se ergueu para abrir as pernas ainda mais, para se equilibrar sobre Lua, para admirar o último estremecimento do orgasmo.
Os olhos dela encontraram os dele, e Lua estendeu as mãos para tocá-lo, acariciando entre as pernas. Arthur não poderia estar mais rijo. Estava totalmente ereto, o fluido umedecendo a ponta.
Ela friccionou a gota perolada na pele dele, e Arthur a beijou.
Lua era cada morena que ele via, cada atriz nos filmes eróticos, cada modelo de pernas compridas em um pôster, num calendário de oficina.
Sua fantasia.
Sua obsessão.

Arthur a beijou novamente, agora com mais agressividade. Em retribuição, Lua enfiou suas unhas dilaceradas nas costas dele.
E então, Arthur se arremeteu dentro dela.
Molhada e suave, Lua o recebeu, dragando-o mais para o fundo, cobiçando o que ambos precisavam. Queriam. Desejavam.
Um ano e meio, Arthur pensou. Dezoito meses angustiantes de celibato.
Arthur se movia; Lua o acompanhava.
Sincronia. Sempre fora assim, desde o dia em que Arthur tomara sua virgindade, desde o instante em que Lua lhe ofertara sua inocência.
Arthur a adorava naquela época. Adorava Lua agora.
E se odiava por isso.

Bombeava com mais força, impondo um ritmo vigoroso. Sexo animal.
Lua enlaçou as pernas em volta dele, e Arthur a cavalgou, dizendo a si mesmo para não se apaixonar. Para não permitir que ela o enfeitiçasse.
Lua se ergueu para colar a boca na dele, para provocar sua língua, mordiscar seu lábio inferior, para usar sua mágica, seu poder.
Arthur queria praguejar, amaldiçoar ambos para o inferno. Mas, em vez disso, ele a abraçou, deixando que as batidas do coração de Lua golpeassem contra as suas.
Lua. Doce, sensual Lua.
Como pôde sobreviver todo aquele tempo sem ela?
Lua o acariciava todo, passando as mãos pelo peito, abdômen, entre as pernas, enquanto ele se movia para dentro e para fora do seu corpo.
Lua sabia como deixá-lo excitado, como levá-lo ao clímax.
E ele estava quase lá. Arthur fechou os olhos, e Lua sussurrava em seu ouvido. Palavras eróticas. Palavras que despertaram um fogo ardente na sua corrente sangüínea.
Estocou mais fundo. Para dentro da obsessão, da fantasia, da mulher que desesperadamente Arthur tentara esquecer.
E finalmente, enquanto guerreava pela rendição, para que aquela batalha indomável terminasse, Arthur jorrou a semente e desfaleceu nos braços dela.

Lua afagou suas costas, deslizando as pontas dos dedos na pele molhada de suor quase sem tocá-lo.
Arthur permaneceu assim por um tempo, aspirando o perfume dela, aquela mistura do aroma de morangos e de sexo, frutas de verão e lascívia da primavera.
Então, levantou a cabeça e rolou para o lado, levando Lua consigo. Arthur não estava pronto para soltá-la. Não ainda. Espreguiçando e miando, Lua lhe deu um sorriso satisfeito.
Arthur desenhou um círculo preguiçoso ao redor de um dos mamilos dela e apreciou vê-lo enrijecer. Arthur sabia que Lua gostava de aproveitar o efeito do orgasmo, o simples prazer de estar nua e exausta.
Lua ensinou Arthur a gostar daquilo também. Ficar enrascados na cama, conversar, fazer a intimidade durar.
E quando durava além do limite, Arthur simplesmente a tomava mais uma vez. O que, para ele, fazia parte do ritual de acasalamento.
De repente seu cérebro voltou a funcionar.
— Será que nós fizemos uma besteira? — Ele nem pensou em se proteger. De qualquer maneira, Arthur não tinha nenhuma camisinha à mão.

— Eu estou tomando pílula.
— Você continuou tomando durante todo esse tempo?
— Não. Eu fui ao médico antes de vir para cá.
— Por que você achou que isso aconteceria?
— Eu não estava bem certa. Não sabia o que esperar.
— Eu esperava que sim — confessou Lua.
— Que fizéssemos sexo?
— Que você me aceitasse de volta.
O que não era bem a mesma coisa, pensou Arthur.
— Isto não é uma reconciliação.
— Eu sei. Você já me disse. Sem promessas.
— E sem arrependimentos. — Cheio de culpa, Arthur tocou levemente o rosto de Dulce. Ela tinha que parecer tão angelical? Tão ferida? — Vamos viver um dia de cada vez. — Levantou o queixo de Lua, encorajando-a a olhar para ele. — Tudo bem?

— Tudo bem.
— Você pode se mudar para o meu quarto se quiser.
— Para que nós possamos continuar fazendo sexo?
— Isso sempre foi bom entre nós.
— Só bom?
— Ótimo. Incrível. O melhor.
Lua suspirou.
— Isso é bom.
— Só bom?
— Ótimo. Incrível.
Lua ergueu a cabeça para beijá-lo, e o calor começou a aumentar. No seu dorso, no seu coração.
Arthur fechou os olhos, e então disse o nome dela, só uma vez, antes de fazer amor com Lua novamente.
O despertador disparou seu alarme estridente no ouvido de Lua. Ela teve que passar por cima de Arthur para conseguir desligar. Ele se agitou, resmungou e virou de lado.
Confortavelmente, protegida pela manhã, Lua beijou o ombro de Arthur, depois trilhou a pintura de ébano no braço, seguindo suas formas primitivas. Arthur gravara aquela tatuagem na adolescência, mas o gesto foi mais do que uma rebeldia artística. A marca tribal foi o jeito que encontrara para abraçar sua herança, para demonstrar o orgulho por uma cultura que costumava repelir.
Ele abriu os olhos e espiou Lua discretamente.
— Já é hora de acordar?
— Eu não sei. — Lua correu porta afora, Arthur no seu encalço. Ela ouviu o rapaz tropeçando na calça jeans, atacando o zíper com mãos desajeitadas.
Encontraram Miguel de pé no seu berço portátil, sorrindo de orelha à orelha, batendo com as mãozinhas no topo da cabeça peluda de Chester.
Arthur caiu na gargalhada.

— Acho que ele tem uma nova babá.
— Assim parece.
Arthur esticou os braços para pegar o bebê.
— Sua pequena hiena. Você me deu um susto filho-da-p... faz uma pausa para reestruturar a frase — da polícia. — Outra pausa repentina. — Droga. Ele está ensopado. Tome. — Arthur entregou a responsabilidade a Lua. — Eu ainda não digeri bem essa coisa de trocar fraldas.
— Você nem tentou.
— Então me processe. Não estou acostumado a ser pai. E isto é temporário, lembra?
Como ela poderia esquecer? Sem promessas. Sem remorsos. Lua trocou Miguel, e o menino chutava os pezinhos no ar e tentava se livrar, determinado a afagar Chester outra vez. O cão farejou a fralda molhada e Arthur deu um tapa nele.
— Vamos lá. Tenha bons modos. — Arthur se voltou para o bebê novamente. — Ei, parceiro. Quer ver o seu quarto novo?
Com Chester a reboque, eles foram até o quarto do bebê. Miguel agitava os braços, e o cachorro logo subiu no pequeno sofá, decidindo que o móvel fora feito sob medida para ele.
— Pa... pa... pa!
— É. O seu pônei está aqui. Os dois pôneis.
Arthur girou o menino pelo ar, e Lua observava os dois. Seu amante. Seu filho.
Deus a ajude, mas ela queria ficar com os dois. Para sempre.

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